Sabine
Ele se foi e a dor e o medo que sinto não são maiores que a tristeza, eu não tinha ideia do que ele fazia, mas eu sabia que ele me amava, éramos tudo um para o outro, tudo que restou da família, quando ela se foi, ele ficou e cuidou de tudo, meu pai me amava, mesmo que tenha cometido erros, ele me amava.
Eu não sei o que vai acontecer comigo agora, mas não importa, nada mais importa, não preciso viver, queria que tivessem me matado, a cada grito, soco e chute eu pensava que seria o último e eu iria finalmente encontrar meus pais, que seria bem no Dia dos Mortos, que não haveria ninguém para nos receber, nada de doces e altares, mas ao menos estaríamos juntos, mas não aconteceu, meu castigo foi ainda maior do que o do meu pai, meu castigo foi sobreviver.
Uma dor parece atravessar meu corpo, da cabeça aos pés, não tem nenhuma parte que não esteja queimando, meu estômago embrulha, fecho os olhos encolhida numa cama estranha, em um lugar desconhecido, ainda não acabou, eles me deixaram aqui para talvez terminar o serviço mais tarde, ainda posso ter esperança.
Só consigo pensar que mesmo que doa muito, depois é o fim, posso aguentar a dor antes do fim, mas só se tiver certeza que acabou.
A porta é aberta, logo depois um garotinho entra trazendo uma bandeja com um copo de suco e um sanduiche. Tão pequeno, com o rostinho tão suave, um lindo menininho no meio dessa sujeira. Com cuidado ele coloca a bandeja sobre o móvel ao meu lado, se senta na beira da cama e me olha curioso e talvez penalizado.
— Dona Romina mandou você comer. – Ele avisa. Balanço a cabeça negando. Nem consigo olhar direito para a bandeja de tanto nojo que sinto.
— Não quero.
— Está doendo muito? – Balanço a cabeça afirmando. – Você está suja de sangue. Doeu?
— Sim.
— Não vai comer? – Nego. – Quer que eu coma para você? – Sinto vontade de sorrir, no meio dessa dor toda, o pequeno me rouba um sorriso dolorido.
— Por favor. – Ele balança a cabeça solene, morde o sanduiche muito animado, fica sentado ao meu lado enquanto vai saboreando o sanduiche.
— Romina é sua mãe?
—Não, minha mãe fugiu com um homem e me deixou aqui, não tenho pai, moro aqui, mas ajuda nas coisas para a Romina e ela me deixa morar nessa casa.
Toco seu rostinho, noto a mão machucada e dolorida quando ergo, ele me olha quando sente o toque da minha mão.
— Sinto muito! – Ele não compreende. – Crianças não deviam trabalhar.
— Tenho que fazer umas coisinhas só. Vou na escola. – Ele vira o suco em um só gole depois de enfiar o último pedaço do sanduiche na boca. – Estava muito bom. Pode contar que gostou muito. – Sorrio afirmando. Não tenho planos de entregar o pequeno.
— Como se chama?
— Juan! – Ele conta. – E você?
— Sabine. – Ele se ajeita ao meu lado, seguro sua mãozinha, tão pequeno, tão lindo, uma lágrima corre por meu rosto mistura a pena que sinto por ele e por mim em uma dor que me atravessa a alma.
— Não precisa chorar. – Ele diz apertando um pouco minha mão. – Tenho oito anos e eu não fico chorando por nada.
— Chorar não é feio. – Aviso, conversar com ele parece me fazer esquecer o mundo e a minha própria dor. – Que lugar é esse?
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Série Azteca - Miguel (DEGUSTAÇÃO)
RomanceDois capítulos apenas para Degustação do livro já DISPONÍVEL NA AMAZON Miguel López é o filho mais velho de um egocêntrico e mesquinho empresário dono de um famoso haras Azteca, no México. Veterinário e apaixonado por cavalos, Miguel só quer ser liv...