Aquele tormento dura a eternidade de alguns minutos. Quando pôr fim a pressão nas costas somem, recupero o folego. Nunca fui tão feliz por respirar. Os pulmões ardem e mesmo com golfadas de ar, não parece o suficiente.
O corpo doí pelo esforço, mas ao menos estou inteira. Diferente da pilastra que teve o cimento arrancado e o aço interno exposto. A única parte ainda em pé é a que está embaixo d'água, onde ainda me agarro.
Me coloco de pé, as pernas trêmulas. Ainda com a visão turva e o mundo girando, procuro pelo homem que salvou minha vida. Nenhum sinal. Limpo o rosto e é aí que meu coração para. Kuro não está nela.
Olho para o mar à minha volta e não o encontro. Foram minutos! Não lembro de tê-lo soltado. Abaixei o braço, mas... meu bolso!
Apalpo a blusa e sinto seu corpo. O puxo e ele está imóvel.
— Kuro!
Passo pelo hall em direção à escada de incêndio. É quase um parto abri-la, mas não desisto. Quando por fim consigo uma brecha, pego um pedaço de madeira boiando e o uso de alavanca para abrir o suficiente e passar. Em um piscar de olhos o que estava intacto inunda. Seguro Kuro contra o peito e subo até um degrau seco. O tiro de dentro da camisa e o deito sobre o cimento gelado.
— Vamos lá rapaz. — Viro sua cabeça para o lado, abro as asas e começo a pressionar meus dedos sobre seu peito.
Abro seu bico e volto a fazer as compressões. Várias vezes, sem parar. A mão doendo, mas sem parar, até que me devolve uma resposta. O corpo se contrai, cuspindo água. Viro-o e passo a dar tapinhas nas costas.
— Vamos.... vamos... por favor... — De repente ele faz um som estranho e eu paro de trabalhar. — Kuro?
— Grãa — engasga. Bato mais algumas vezes e ele expele o que falta.
— Bom garoto. Bom garoto. — O deixo descansar no chão, recuperando o fôlego enquanto eu mesma tento me acalmar. — Que loucura foi essa hein? Era pra ser só um passeio.
Minhas mãos tremem feito varas verdes e estão cheias de cortes. Isso e os hematomas escondidos pela roupa que não vejo, mas sinto eles latejando.
— Ahh... — meu amigo geme.
— É, eu também acho. Queria ter conseguido salvar aquele homem.
Kuro bate as asas e se coloca sobre as duas patas. Ainda tonto, mas em pé.
— Muito bem! — Comemoro. — Vamos voltar pra casa agora?
— Grah!
Estico o braço e ele sobe até meu ombro. Onde enfia as unhas e se encolhe, como se quisesse garantir que não cairia dali.
Respiro fundo e começo a subir. Por cada andar que passo, escuto alguma coisa. Hora são crianças chorando, hora telefones tocando ou pessoas discutindo. Choro ao ver o número sete, minhas pernas queimam com o esforço. Abro a porta e saio no meu corredor. Tudo aparentemente no lugar, até agora. Puxo a bolsa e pego as chaves. Só então me lembro da nova aquisição. Abro o zíper do compartimento externo da bolsa e o celular está lá, quase inteiro. A tela está trincada, mas ao apertar o botão de ligar ele funciona.
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General FictionÍsis é uma escritora bem sucedida, ao menos aos parâmetros de quem vive a beira da extinção da raça humana. Vive em um apartamento na grande São Paulo e não tem muitos amigos além do seu corvo Kuro e do amigo de infância Júlio. Era só mais um dia...