Nota da autora: possui gatilhos de violência doméstica, divórcio e brigas familiares.
Apago as luzes da cozinha e depois as da sala, cansada. "Quero apagar como elas", penso, ainda parada no corredor, observando pela vista da varanda da sala as luzes da cidade à noite. Vários pontinhos amarelos, brancos e azulados, além dos faróis vermelhos dos carros nas avenidas.
Passo a mão pela barriga com carinho, alisando o tecido da blusa branca. Em breve, teremos nosso bebê dormindo nos nossos braços. Miguel trará alegria, além de mais risadas e noites em claro. Não me importo em ficar sem dormir, ele já é muito amado.
Arrastando os pés pelo chão até o quarto, sinto meus olhos pesarem e adoro a sensação. O cheiro da casa — uma mistura de madeira, desinfetante de lavanda, um pouco do cheiro do almoço, além do cheiro característico de Teddy, o filhote que mora aqui — me traz um sentimento tão aconchegante quanto um abraço. Em meio a tudo isso, uma memória específica faz meus olhos se abrirem, ficando alerta.
Vejo a mim mesma, terminando de lavar a louça com os cabelos desgrenhados e um vestido simples. Ágata está na sala, vendo televisão, até que ouço a fechadura da porta se abrindo.
Ele chega reclamando de tudo, como tem sido de um tempo para cá, e não diz nada à garotinha na sala, passando indiferente por ela. Deixa uma mochila com certa força na cadeira e começa a dizer coisas que só esquecerei anos depois.
— Estou farto disso! — o tom de voz não é o mesmo de quando o conheci, há três anos. — Você não tem tempo para mim, diz que está sempre cansada. Quando quero ficar com você, sempre dorme, se preocupa apenas com as crianças e não me dá atenção.
Viro de frente para ele.
— Amor, fale mais baixo, por... — levanto uma mão com cuidado, tentando apaziguar a situação, mas ele não me deixa completar a frase.
— Não! Agora você tem que me ouvir! Estou cheio dessa vida! — Vocifera.
— Amor, — tento outra vez, — me ouça... — sinto meu rosto todo esquentar e os olhos embaçarem.
— Cale a boca! Eu não vou mais ficar nessa casa! Vou embora e que você se vire, já que não precisa de mim. Está acabado, mulher.
Assustada, me apoio na bancada da pia, sem saber como ele reagirá. Matias nunca me bateu, mas se tornou comum que gritasse. Tampouco tomo isso como normal. Ouço Ágata chorar e fixo meu olhar nela na porta da cozinha, amedrontada. Minha respiração descontrolada mostra meu medo, minhas lágrimas denunciam que aquela não era a primeira vez, mas também transparecem que eu esperava que fosse a última.
Furioso, de súbito pega um dos pratos do escorredor de louças e atira contra a parede, vários pedacinhos de porcelana voando ao chão. Aquilo representa o meu coração e nossa relação, acredito.
Vou num ato impulsivo e abraço nossa filha, tentando protegê-la. Felizmente, ninguém se machuca.
Ele xinga alguns nomes feios, esquecendo-se do Deus que diz servir. Também esquece-se das palavras que disse perante ele e muitas outras pessoas, incluindo eu, no altar. Escolheu esquecer tudo. Vai para o quarto e enfia algumas roupas e coisas em outra mochila e sai no carro, a chuva castigando a cidade lá fora.
Respiro fundo e volto ao presente. Matias não está mais comigo há quatro anos, e depois descobri que ele possuía outra pessoa quando saiu de casa. Caminho mais alguns passos e entro no quarto. André está de pijama assistindo televisão, meu filme favorito: E Se Fosse Verdade.
— Oi! Estava esperando você. — Ele dá palmadinhas no lugar ao lado dele na cama. A luz da tela ilumina seu rosto no quarto escuro. — Senta aqui.
Enquanto tiro os chinelos para subir na cama, ele se levanta e me ajuda a sentar. É difícil se movimentar quando falta apenas um mês para o bebê nascer.
— Obrigada, meu bem — digo e ele se senta ao meu lado. — A propósito, fez um ótimo trabalho limpando a casa hoje e cuidando da Tatá. Estou orgulhosa. — seguro uma de suas mãos e sorrisos pequenos nascem nos nossos rostos quando nos olhamos, seus olhos castanhos lindos como sempre.
— Fico feliz. Tudo bem com o nosso Miguel? — sua voz doce faz meu coração derreter. Ele não está mais em pedacinhos, está inteiro, sarado por um amor em que não havia medo, um amor que Deus nos deu para vivermos juntos.
— Tudo, sim. A doutora Angela disse que ele vem forte, saudável e bonito. E eu digo que ele é tão lindo quanto você — rio ao terminar a frase, passando a mão em seus cabelos negros lisos.
— Você é linda, Luana.
Ele segura meu rosto com uma mão e beija minha bochecha. Me aconchego em seu peito e sinto sua inspiração, além da sua colônia amadeirada a qual estou maravilhosamente acostumada, me fazendo lembrar de diversos momentos bons.
Aprendi que quando um relacionamento vem de Deus, seja uma amizade ou um casamento, acima de tudo, existe a paz entre os dois, e é isso o que sinto junto do André: paz, uma calmaria como uma brisa. Estamos casados há dois anos e a felicidade permanece a mesma desde sempre.
O filme chega ao final. Alguém pode dizer que sou muito sensível, mas sempre fico feliz com os finais que acabam bem nos filmes. Esse é o resultado de anos lendo e assistindo livros e filmes românticos. Se eu pudesse, daria um gritinho, mas surto apenas internamente para não acordar Ágata no quarto ao lado. Uma mãe de 28 anos tem suas responsabilidades.
Assim como Elizabeth e David, os personagens do filme, André e eu ficamos de frente e nos olhamos profundamente. Ele passa uma das mãos no meu cabelo liso com suavidade, e depois põe a outra sobre minha barriga sem desviar o olhar um milissegundo sequer. Ele se inclina e aproximamos os rostos até nossas têmporas se tocarem.
— Espero — ele começa — que os anos jamais desgastem nosso amor, Lu. Pelo contrário, que eles possam torná-lo mais forte e mais bonito, porque ele já é lindo — afirma, de olhos fechados.
— E que Deus nos ajude a amar um ao outro mesmo quando não merecermos, por ser assim que Ele nos ama. E que nossos defeitos, meu bem, não sejam barreiras entre nós, mas que nos ensinem o perdão, a graça de Deus e sua misericórdia. — digo, com as pálpebras fechadas.
— Abra os olhos, Luana.
Faço o que ele diz e aprecio cada detalhe de sua face, agora tão perto. Me concentro em seus cílios, nas linhas de suas íris, quase imperceptíveis devido à pouca luz, e por fim em suas pupilas. Fico sem fôlego por um instante, perdida em vários pensamentos, sendo que todos envolvem ele, até que ele junta nossos lábios com delicadeza e amor. Depois de uns segundos, tudo o que ouço é:
— Luana, eu amo vocês.
— André, eu também amo vocês — repito, a felicidade transbordando no meu sorriso.
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O Amor Traz Paz - Conto Cristão
RomansClassificação: +13 Traumas do passado podem determinar o nosso presente? Bem, Luana nos ensina que não. Uma jovem mãe de 28 anos nos ensina que quando apredemos que o amor de Deus é capaz de mudar a forma como recebemos amor em nossa vida, todo o re...