Capitulo 1: De Volta ao C# do Mundo

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8:00 da Manhã

Querido diário, olá, sou eu, Lucas Menene, a pessoa mais azarada e burra desse país. Ok, compreendo que talvez eu esteja sendo duro comigo mesmo, mas eu mereço. Fiz algo terrível e basicamente destruí minha carreira. Estou sendo processado e quase perdi meu CRP, minha carteirinha de psicólogo.

Mas honestamente, acho que sou um péssimo psicólogo. Escolhi essa carreira por impulso e desespero quando terminei o ensino médio. Pessoas, professores e minha mãe colocaram muita expectativa e pressão sobre mim, dizendo para seguir algo em que eu fosse bom e gostasse. Eu sempre fui um garoto introvertido e tímido, sofro de fobia social e tenho dificuldade em lidar com as pessoas. No entanto, isso sempre atraiu pessoas para a minha vida. Elas viam em mim a oportunidade de desabafar seus problemas, falar e serem ouvidas. Eu, como uma ameba com falta de assertividade, sempre estive lá para todos, ouvindo, aconselhando, incapaz de dizer não. A questão é: eu realmente queria essa posição? Fiz isso porque me importava com as pessoas ou porque tinha medo de ser visto como uma pessoa ruim? Grandes questões que deveria ter refletido mais antes de escolher essa profissão.

Agora, aqui estou eu, em um ônibus de volta para o interior de Minas Gerais, para a cidade onde nasci. Aquele fim de mundo que tanto lutei para deixar. Mas acredito que essa seja minha única esperança no momento. Tenho uma casa na minha cidade natal, a casa que minha mãe me deixou de herança, e algumas economias guardadas que me impedirão de passar fome. Se eu continuasse em São Paulo, sem emprego e pagando aluguel, logo ficaria sem dinheiro para me sustentar. Pelo menos na minha cidade natal, tenho uma casa... é só isso que tenho lá. Não tenho amigos, não tenho família (bem, tenho, mas eles me desprezam) e provavelmente não terei emprego, pelo menos não na minha área. Se descobrirem o que fiz, ninguém vai querer me contratar...

De qualquer forma, de agora em diante, vou tentar descansar e esquecer um pouco de tudo o que aconteceu, embora acredite que isso me assombrará pelo resto da minha vida. Sabe o que é mais engraçado? Sempre pensei que minha vida em São Paulo, na cidade grande, seria diferente. Eu seria amado, teria amigos, uma vida agitada e cheia de novidades. A realidade foi que estive sozinho a vida toda, e mudar para um lugar maior apenas trouxe mais pessoas ao meu redor, mas eu ainda continuava solitário. Meus novos "amigos" simplesmente me abandonaram quando perdi o emprego e tudo desmoronou.

Fiquei um ano em São Paulo. Quando fui para lá, tinha 23 anos, e agora vou fazer 25. Minha mãe faleceu um ano antes de eu deixar a cidade. Para ela, eu deveria ter ficado na minha cidade natal para sempre. Ela sempre considerou o mundo perigoso e era uma pessoa extremamente protetora. Sendo filho único, a ideia de eu ir para outro lugar era inacreditável para ela. Ela sempre me desmotivava, dizendo que eu iria fracassar, que a cidade grande era apenas uma ilusão e que meu lugar era no interior, na "segurança e tranquilidade do lar". Em parte, ela estava certa. Concordo que meu sonho era apenas uma grande ilusão.

Em São Paulo, tive mais oportunidades e cresci rapidamente. Conheci pessoas mais rapidamente também. No entanto, tudo estava baseado em interesses. Todos estavam atrás de algo em troca: do meu serviço, do meu ouvido, do meu tempo, do meu dinheiro. Mas nunca estavam disponíveis para retribuir nada. Eu era apenas um objeto. Não posso dizer que minha mãe estava totalmente certa em suas afirmações, porque discordo que meu lugar seja "no lar". Também detesto minha cidade natal. Estou voltando para lá apenas por não ter opções no momento. Mas viver lá para sempre está fora de questão. A cidade é habitada principalmente por idosos, gente fofoqueira e caipiras. Não quero parecer hipócrita ao dizer isso, mas você deve estar pensando (como se um diário pensasse, mas deixe-me pensar que você é uma pessoa real) que sou mesquinho e estou julgando as pessoas da cidade pequena. Mas, sabe de uma coisa? Estou mesmo. Vivi 24 anos naquele fim de mundo, e minha vida sempre foi um tédio. As pessoas sempre ficaram presas naquela bolha da cidade pequena, como se aquelas pessoas e aquele lugar fossem o único mundo existente. Eu sempre me senti aprisionado lá, e meu maior medo era passar o resto da vida naquele lugar. É um lugar pequeno, sem emoção, com as mesmas pessoas de sempre que apenas fingiam se importar comigo. É um lugar onde quem manda são aqueles que vêm de famílias abastadas ou têm dinheiro. Uma hierarquia social estúpida, mulheres arrogantes que se acham as rainhas do universo por terem status em uma cidade minúscula e serem casadas com um homem rico. Eventos que não têm nada a ver comigo, opressão de minorias, um monte de idosos e valores antiquados que persistem gerações após gerações, como o preconceito e olhares tortos para quem tem um estilo ou expressão diferentes.

Carrapichos nos SapatosOnde histórias criam vida. Descubra agora