HALLE DUNCAN
Meses antes...Proteção é uma desculpa para te desarmar. A princípio parece belo toda aquela coisa de ter alguém disposto a matar e morrer por você, no entanto, viver à sombra dessa boa intenção pode se tornar uma doença. Aos poucos, você vai sendo corrompida até ter a absoluta certeza de que tudo o que não quer é se proteger, ou ser impedida de descobrir o que é a vida por conta própria.
Eu só quero que tudo isso acabe logo.
— Ah, não sei, acho que seria melhor eu e seu pai levarmos você — mamãe diz, nervosa, caminhando de um lado a outro da sala, roendo as unhas sem conseguir parar de observar pelas janelas, esperando Jimmy chegar.
— Mãe, por favor... para — peço, em um tom ameno, não suportando mais a sua superproteção.
A minha independência parece sinônimo de doença ou de qualquer outra coisa desagradável.
— Não entendo por que você quer dormir na universidade, dividir quarto com quem nem conhece. — Ela massageia o pingente da Estrela de Belém do colar que cerca o seu pescoço, coloca a mão livre na cintura e continua indo de lá para cá, desgostosa com o fato de ver a sua única menina finalmente saindo de casa para estudar. — Ainda não sei se o reitor da Atenas atendeu ao meu pedido para deixá-la em um quarto com uma garota que também seja cristã.
Sentada no sofá de couro bege, reviro os olhos, lembrando que ela não fez esse mesmo espetáculo com o Jake, meu irmão mais velho, quando ele foi para a universidade.
— Pare com isso, Caroline. Halle está indo para o outro lado da cidade, não para outro país — a voz fria do meu pai, Nicholas, irrompe a sala.
Viro o rosto em direção à escada, por onde ele desce imponente, com o seu habitual traje, uma camisa social azul-claro, calça cinza e os sapatos marrons.
Papai senta em sua poltrona, de frente para mim, mas sequer se esforça em levantar o seu olhar, provando que está pouco preocupado com o fato de que eu esteja alcançando um novo patamar da minha vida ou com a minha ausência que, de agora em diante, será uma realidade.
— Além disso, ela não será levada por qualquer um, mas sim por Jimmy, o seu futuro noivo — sinto um aperto no meu coração após ouvir o nome proferido.
As suas palavras, tão certas sobre o meu futuro cuidadosamente montado por ele e mamãe, são mais um dos pesos dos quais quero tentar me livrar quando finalmente chegar à Atenas University.
— Sem contar que Jake estará lá para cuidar dela, se preciso for. — Papai cruza as pernas e abre o seu jornal, escondendo o seu rosto por trás da folha cinzenta manchada com as centenas de frases e imagens das notícias do dia, ficando alheio a tudo a partir desse momento, blindando-se em seu casulo impenetrável de gelo, como faz todas as manhãs.
Mas nem sempre foi assim.
— Eu não preciso ser cuidada pelo meu irmão, pai. — Olho fixamente em sua direção, desejando que, ao menos uma vez na vida, ele me retribua com o mesmo olhar, que seja capaz de me dar um pingo de atenção. — Não preciso de uma babá. — Escorrego a ponta dos dedos pela testa ao constatar que continuarei sendo ignorada, como se não tivesse voz.
— Eu gosto do Jimmy, mas o Jake deveria ter vindo também. — Mamãe finalmente se cansa de caminhar e se senta ao meu lado, na outra ponta do sofá, respirando fundo ao relaxar os ombros. — O que os irmãos da igreja vão pensar se souberem que a nossa filha passou um tempo sozinha no carro com o namorado?
Namorado?
Quando eles vão entender que nós dois não temos nada além da maldita opressão de expectativas que fazem sobre um futuro relacionamento entre a gente?
O casal perfeito... os exemplos da juventude da igreja e do nosso condomínio, cujas famílias ricas e bem-sucedidas adorariam promover um casamento.
— Aquele ali jamais teria coragem de fazer alguma coisa — penso em voz alta, entediada ao lembrar do garoto que grudou em mim desde a adolescência, me cercando dentro da igreja, conquistando o carisma dos meus pais com a sua imagem de "cara perfeito".
— O que disse, Halle? — Mamãe me encara horrorizada, fazendo-me deter o movimento dos meus dedos, que deslizavam na lateral do meu rosto.
Boquiaberta, não sei o que responder, mas sou salva pelo som da buzina do carro de Jimmy, que acaba de estacionar ao lado de fora.
— Ah, ele chegou, graças a Deus! — Ela salta do sofá com um sorriso desenhado em seu rosto, não por eu estar saindo debaixo das suas asas, mas sim pela chegada do seu "futuro genro", como costuma dizer.
Incrível como esquece rápido do seu medo sobre nós dois sozinhos ao correr até a porta, abri-la, e ir ao encontro dele primeiro.
Sinto náusea ao levantar e assistir a toda essa situação que vem se arrastando sem que eu possa controlar. Eles simplesmente não me escutam. Por mais que eu fale, é como se não tivesse voz ou escolhas. Há algo de errado com a minha família, e por mais que tente, a sensação é de que nunca conseguirei entendê-los.
Quando eu era criança tudo era diferente, todavia, sem mais nem menos, o nosso mundo pareceu escurecer de repente.
Mamãe ficou ainda mais devota à igreja, se tornou uma religiosa radical à medida que papai perdeu o seu brilho, se tornou carrancudo, rígido, exigindo o mesmo comportamento de todos nós, se abrigando atrás da religião para defender quaisquer das suas atitudes, sejam elas boas ou ruins.
Eles são boas pessoas e bons pais, mas me sufocam.
Encosto-me no batente da porta e cruzo os braços para observá-los.
— Ah, eu juro que se não tivéssemos um compromisso importante, não estaríamos o incomodando, Jimmy! — mamãe se justifica, após trocar um aperto de mão com o rapaz tão loiro quanto o meu pai.
Tenho a impressão de que a sua ascendência alemã foi um fator-chave para que meu pai o visse como um bom pretendente dentre todos os rapazes da igreja, já que o Sr. Nicholas também tem sangue alemão, apesar de ter nascido nos Estados Unidos. Minha mãe, por outro lado, é uma linda mulher de pele negra, que aparenta ser mais jovem do que realmente é.
— Não se preocupe, Sra. Duncan, eu jamais recusaria um pedido de vocês, ainda mais relacionado à minha futura esposa. — Ele vira o rosto em minha direção, alargando o seu sorriso perfeito.
Não posso negar que Jimmy Shaw é lindo, mas cansativo.
Suspiro, revirando os olhos, exausta com essa ladainha ridícula e que já deixei bem claro que detesto. Mamãe gargalha, alegre, acompanhando Jimmy para dentro de casa.
Saio da porta antes que me alcancem, e sigo até as duas malas que estão no espaço entre os sofás. Eu queria muito que Jake tivesse vindo me buscar, já que todo mundo acha que, mesmo agora que acabei de completar dezoito anos, sou incapaz de andar sozinha pela cidade.
— Senhor Duncan, bom dia! — Jimmy segue até o meu pai, que se levanta e abandona o jornal para cumprimentá-lo enquanto mamãe caminha em minha direção, repreendendo-me por não tê-lo recebido direito.
Ela gesticula repreensões com a boca, sem nem mesmo sussurrar para não correr o risco do seu genro ouvir e entender que mais uma vez está brigando comigo por causa dele.
— Mãe, me deixa! — Eu me desvencilho do seu toque quando ela segura o meu braço. Arrasto as malas até a porta, estressada, sufocada, esperando para sair.
— Shaw... — papai começa a trocar algumas palavras com ele.
— Deus está vendo, mocinha. Deus está vendo! — ela finalmente murmura, se reaproximando, erguendo o indicador em minha direção. Seus olhos corrompidos por um brilho irritado devido à minha má-criação.
Decido ignorá-la para não explodir de vez, a minha garganta fica seca e o ar parece faltar enquanto Jimmy termina o seu longo diálogo com o meu pai até me ajudar a levar as malas para o seu carro.
A despedida não poderia ser mais fria e desagradável.
Mamãe deposita um beijo em minha testa e repete as mesmas recomendações que vem falando desde que fui aprovada na universidade. Papai apenas fica imóvel ao seu lado, com as mãos guardadas dentro dos bolsos, o seu olhar duro dizendo coisa nenhuma. Sento-me no banco do carona do Audi A3, coloco o cinto de segurança e espero Jimmy entrar.
Ele liga o motor e dá a partida. Respiro aliviada quando me dou conta de que estou me afastando da minha casa. Que ironia, não sinto que o lugar onde sempre morei é o meu lar.
Não mais.
— Custava dar um sorriso para os seus pais e se despedir decentemente? — ouço a voz inconformada do cara ao meu lado. Jimmy já é um homem, mas as suas atitudes por vezes são infantis.
— Você fez isso por nós dois. Até demais, eu diria — sou irônica, preferindo manter os olhos rumo à paisagem lá fora, observando os prédios baixos de alvenaria de Boston.
— Independentemente de qualquer coisa, eles são os seus pais. Eu os respeito, você deveria fazer o mesmo em todos os momentos. Deveria ser...
— Exemplo? — indago, cruzando as mãos, o encarando e me desencostando do vidro da janela, onde até então estava recostada, como se estivesse me escondendo. — Você sempre fala isso, Jimmy. É um poço de exemplo e perfeição. Será que não se cansa? — Essa é a minha maior curiosidade, e apesar de perguntar já sei muito bem a resposta.
Não. Ele não se cansa.
Pelo contrário, gosta de ser o jovem modelo.
— Do que está falando? Que assunto é esse? — Ele para no semáforo, se empertigando. — Às vezes a maior atitude de uma mulher sábia é se calar. — Bufo um sorriso, encarando o que acabei de ouvir como inacreditável. — Você ri, não é? Mas tudo o que estou tentando fazer é te proteger, te manter no caminho correto. — Acelera, ultrapassando a faixa de pedestres assim que o sinal se abre.
Meu coração acelera também, não pela velocidade que estamos alcançando, mas sim pelos gatilhos que as suas palavras me causam.
A vida inteira todos sempre quiseram me proteger, me poupar, seja por eu ser mulher e automaticamente ser vista como fraca. Seja por pertencer a uma família rígida e ter que seguir regras inquebráveis, servir de exemplo para os amigos e conhecidos, considerada a garotinha de ouro pela sociedade, por vezes, inalcançável.
Eu não quero ser protegida, quero ser desafiada!
— Não estou em perigo para ser protegida, nem me desviando para me manter no caminho certo. Às vezes você parece querer me controlar, Jimmy. Apenas isso — solto, sem dor na consciência, mas temendo me arrepender. — Assim como os meus pais e todo o resto.
— Controlar? — Ele sorri, incrédulo. — Como você é ingrata e mimada, Halle. — Nós dobramos em uma curva, entrando em outra avenida. — Vai ter que aprender muita coisa antes de nos casarmos. — A mesma certeza que meus pais têm acerca desse assunto, ele também tem, talvez até mais.
Respiro fundo, esfregando uma mão no rosto, estressada, o peito doendo. Um gosto amargo agarrado ao céu da boca.
Remexo-me no banco, incomodada, os punhos cerrados. Penso se vale a pena prosseguir com essa discussão.
— Sabe o que é mais interessante, Jimmy? Você nunca me pediu em casamento, então para mim, nós não temos nada além dos seus planos com os meus pais — replico, me sentindo melhor ao jogar esse embrulho no estômago para fora.
Ele me ignora, como se não tivesse me ouvido, um meio-sorriso cínico se esticando na curvatura dos seus lábios. Isso me deixa ainda mais emputecida, mas prefiro encerrar por aqui. Esse tipo de desentendimento está ficando cada vez mais frequente entre a gente, assim como aqueles que tenho com os meus pais.
Será que a errada sou eu?
Será que realmente estou me desviando do caminho?
Não posso negar o fato de que já não via a hora de desaparecer por um tempo, fazer exatamente como o Jake fez. Ele praticamente não pisa em casa desde que foi para a universidade, sempre inventando desculpas até mesmo nos feriados.
Meia-hora mais tarde, chegamos ao campus de uma das maiores instituições de ensino superior do país. Atenas University, é referência nacional no que diz respeito ao ensino de alta qualidade. Ganhou esse nome porque Boston tem o apelido de "Atena das Américas", visto que a cidade é possuidora de um extenso centro universitário.
— Eu vou te acompanhar até o seu dormitório — Jimmy anuncia, assim que descemos do carro e pega a minha bagagem do porta-malas.
— Não, eu quero ir sozinha. — Tomo as malas das mãos dele.
— Não vou permitir que ande por aí solitária — ele reclama, enrijecendo a face. — A sua mãe pediu para que eu conhecesse a sua colega de quarto.
— Jimmy, por favor! Não torne esse dia pior do que já está! — elevo a voz, o fuzilando. — Pare de agir como se eu fosse uma criança! — vejo os seus olhos esbugalharem, como se não me reconhecesse.
Aperto os puxadores das malas entre os dedos. Nunca pensei que o dia mais importante da minha vida fosse ser tão desagradável.
— Tudo bem, Halle. Tá bom. Como você quiser — ergue as mãos em sinal de rendição, insatisfeito. — Mas depois não reclama — fecho os olhos, sentindo a minha ira e também a sua aproximação. Ele segura os meus braços, mas nem isso consegue me relaxar. — Posso te dar um beijo de despedida? — Ergo as pálpebras, o encarando, sem acreditar no que disse.
O meu silêncio o faz aproximar o rosto, me pego sem reação e meio que curiosa para saber se realmente vai fazer o que disse. Não que eu anseie por isso, ele nunca me tocou com intimidade, talvez seja apenas curiosidade de algo que jamais experimentei.
Todavia, Jimmy vai na minha testa.
Um beijo na testa.
Seus dedos acariciam os meus braços como se eu fosse de cristal, tomando cuidado para não me apertar.
Engulo em seco, me sentindo estranhamente decepcionada. Sem entender o que de fato estava esperando.
— Qualquer coisa me ligue que venho correndo. — Assinto após ouvi-lo, seus olhos azuis me encarando. Viro-me, puxando as malas. — Halle... — paro de caminhar para olhá-lo por cima do ombro —, qualquer coisa — repete. Posso sentir a insegurança o corrompendo, a mesma da minha mãe.
Talvez seja difícil de engolir que não vou estar mais cem por cento debaixo das vistas deles, ao alcance... observável... controlável.
Isso não é normal.
— Okay — digo, seguindo pelo caminho ladrilhado de alvenaria, que se destaca em meio ao extenso gramado.
À medida que vou me afastando e aprofundando na enorme propriedade, sinto o ar diferenciado encher os meus pulmões, os jovens da minha faixa etária caminhando por todos os lados, conversando em grupos, alguns casais namorando debaixo das árvores. Aos poucos, vou esquecendo dos meus problemas ao me perder entre os prédios que mais parecem castelos, alguns bem maiores que outros.
Entro em um dos edifícios, recebo olhares estranhos e sorrisos esnobes até alcançar o andar onde fui informada que fica o meu quarto.
O corredor está bem movimentado, cheio de vida juvenil, homens e mulheres por todos os lados. Capturo o celular da minha bolsa, olho a mensagem que recebi da direção dias atrás, confirmando os números nas portas até encontrar a minha, que passo a chave e abro.
Me deparo com uma garota de quatro sobre a cama, dividindo o colchão com dois caras. Um deles a segura pelos quadris e faz investidas por trás, o outro prende um punhado do seu cabelo entre os dedos enquanto escorrega o pau para dentro de sua boca.
— Ei! — a voz dela sai abafada, visto que está com a língua ocupada. O seu olhar sobre mim não é nada amigável, deixando claro que sou uma intrusa.
Puxo a maçaneta rapidamente, fechando a porta com força.
Chocada.
É, mamãe, você não vai querer conhecer a minha colega de quarto.
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O Erro de Hunter: Bad Prison | Disponível na Amazon
RomanceHUNTER Eu tinha tudo e adorava a sensação de poder, mas era inevitável ser consumido pelo passado. Estava prestes a dar um fim ao meu caos particular quando ela surgiu. Tímida, filha do pastor e irmã do meu melhor amigo, Halle significava tudo o qu...