Um

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Sentia a água quente bater contra o meu corpo nu e o som reconfortante que fazia quando batia contra o chão molhado que sustentava os meus pés descalços.

Passei as mãos pelo meu cabelo numa tentativa de me concentrar apenas naquela sensação e de me absorver dos meus pensamentos, mas assim que voltei a olhar para as minhas mãos vi uma quantidade imensa de cabelos.

Mais uma consequência da minha ansiedade, não seria a primeira vez que aquilo acontecia.

Então ali permaneci e aumentei a temperatura da água.

Há medida que prolongava o banho o vapor aumentava, transformando o banheiro anteriormente visível, num cómodo coberto de névoa.

Apesar da água a fervelhar que escorria pelo meu corpo, esta não apagava a sensação tão conhecida de sentir as suas mãos, a agarrarem-no abruptamente.

Aliás, invasivamente.

Apesar do barulho da água a escorrer, e do mínimo conforto que me conseguia dar, esta não conseguia apagar o som da minha respiração ofegante.

Invasivo. Era isso que ele era.
Era assim que o meu corpo se sentia,
que eu me sentia.

Ou era nisso que eu queria acreditar? Apesar de o ter aceite inúmeras vezes, e sentir um prazer como nunca outro, com isso.

Não. Não. Não.
Isso não apaga o facto de me sentir assim, não pode, isso não anula a sensação invasiva que ele me deu, que me colocou.

Desligo a torneira exausta pela minha própria mente e pelos pensamentos que a atormentam, e encosto-me diretamente na parede fria, branca e molhada, pressionando, sobretudo, a minha testa e os meus seios.

Não abandonava o meu cérebro.

Gemidos. Promessas. Risos. Discussões.
Mais gemidos.

Oh as tuas promessas.
As tuas malditas promessas.

Derrotada deito-me sobre a água quente, e descanso os meus olhos, numa tentativa de me desligar por completo de toda a minha "realidade" por uns instantes.

-Eu sei que é em mim que pensas nos teus pesadelos...- Aquela voz. -E nos húmidos.-Acrescentou por fim.
Esta última palavra soou de forma diferente de tudo o que foi dito anteriormente.
Pois nesta eu pude sentir o sussurrar da sua voz no meu ouvido, juntamente com a sua respiração.

Tal como um dia ouvi.

-Deixa-me em paz. - Digo.

Não era capaz de pronunciar o seu nome.
Não queria dar lhe o proveito disso.

-Deixa-me entrar Amelia. - A sua voz calma sussurrou. Mas eu sei que aquela calma não duraria muito, não agora, não em relação a mim, por mais que o tentasse disfarçar. Ainda me pergunto se numa tentativa de não rebaixar o seu ego ou de não me afastar mais. Talvez uma junção de ambos.

Eu sabia a quantidade de significados que aquelas três palavras pudiam ter. E mais uma vez o meu cérebro voltou a levar-me a locais que eu não queria. Talvez fosse essa a intenção dele.

-Amelia!- Rugiu furiosamente. Mas aquele grito não expressou apenas raiva, preferia eu que sim.
Mais do que isso, expressava o seu desespero.
E com isso um nó formou-se na minha garganta, um sentimento de culpa inexplicável, e pensamentos arrebatadores atacaram-me.
A sua voz rouca, falha e fragilizada assombram-me mais do que qualquer outra coisa, preferia que fosse mais simples, preferia vê lo apenas como um assassino.

Quase que como um "clique" acordo ofegante, o que me causa imediatamente tonturas, então apoio as minhas mãos na banheira.

Completamente enojada, mais uma vez, sinto-me invadida, ao ser totalmente exposta a ele.

Apesar das fortes tonturas, o meu primeiro instinto é cobrir os meus seios que se encontravam levemente tapados pela água.

Mas a água está assim tão alta?

Assim que recupero a minha visão por completo olho á minha volta e ganho uma pequena noção de por quanto tempo estive desacordada.
-Foda-se.- Levantei-me rapidamente para fechar a torneira, que por esta altura já tinha feito a água ultrapassar o limite da banheira e encharcar o banheiro.

Com uma toalha á volta do meu corpo e com os meus longos cabelos castanhos escuros ondulados e destapados a pingarem, coloco creme sobre o meu pescoço ainda marcado por ele.
Pelas marcas das suas mãos, ou aliás, das suas garras...

Desconfortavelmente retiro a toalha dos meus seios e observo silenciosamente as marcas também presentes nos mesmos.
Volto a pressionar a embalagem do creme, de forma a este fazer "da sua magia" mas parece que não tem feito grande efeito. Visto que já se passou algum tempo e as marcas aqui persistem.

Assim como ele.

Caminho em direção á cama, abro de forma descuidada as gavetas da mesa de cabeceira e retiro o maço de cigarro lá "escondido".
Escondido para a minha criança interior que odiaria os meus vícios.
E por um lado, para ele, que não permitiria tal coisa ou levaria-o de tal forma á loucura que só descansava até eu parar.

Pego no cigarro e inalo a sua substância como se me fosse salvar de algum modo.

E afundo-me nos lençóis.

Eu preciso de superar.

Eu preciso de esquecer-me dos seus olhos,
dos olhos a quem eu tirei a vida e transformei num ser monstruoso,

no Jason the Toymaker.

As correntes do seu amorOnde histórias criam vida. Descubra agora