Dois

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Onze anos antes.

Com as suas mãos pequeninas, a menina de cabelos castanhos formados numa trança, responsável pelo desconforto da mesma que se coçava inúmeras vezes, segurava um livro de capa dura perfeitamente bem tratado, com o cenho franzido, transmitindo a sua sensibilidade para com o que estava a fazer.
Assim era Amelia, uma das suas maiores características e mais marcantes.

A sua sensibilidade natural.

Para além disso, a garota agarrava-o com verdadeiro cuidado, não pela mera sensação de uma criança receber um brinquedo novo e que mais logo se irá esquecer dele, mas sim por pura importância.

Distraída, voltou a virar a página para trás na tentativa de entender detalhadamente o contexto e a situação concreta da história que estava a ler.
Consequente de mais um ponto característico seu, os seus "porquês" não tinham fim, e odiava encontrar-se numa situação sem resposta para eles.

O livro possuía uma capa azul clara, exclusivamente feita para ela, a sua cor favorita.
O mesmo encontrava-se apoiada no seu colo, ou melhor, nos seus joelhos descobertos, devido á farda obrigatório do colégio.
Uma saia xadrez, constituída pelas cores branco, verde e preto, e uma camisa branca com uma gravata, que por esta altura já se encontrava desfeita no pescoço de Amelia, obra da mesma.

E quem a culparia? Aquela gravata era formalidade a mais para uma criança.
Mas a sua mãe não pensava da mesma forma, e Amelia sabia que estaria em problemas quando Isabella se apercebe-se.

Como se os seus pensamentos pudessem ser ouvidos, Isabella voltou o seu olhar em direção ao retrovisor e sorriu ao ver a expressão tão conhecida da sua filha.
Mas o seu sorriso paternal se desfez assim que notou a gravata que fez esta manhã desmanchada e que pediu inúmeras vezes para tal não ocorrer.

- Amelia Sophia!- Exclamou.

A menina silenciosamente e lentamente levantou a cabeça e encontrou os olhos negros da mãe, afinal, ela sabia do que se tratava.

-Sim?- Perguntou num tom desentendido.

-Sim? O que é que eu te disse esta manhã?- A mulher respondeu enquanto atravessava já a rua da colégio.

- Para me portar bem? - Amelia mais uma vez fez se desentendida.

Honestidade não era o seu forte. Mimada era.

Isabella suspira enquanto estaciona o carro.

- A forma com que te apresentas é bastante importante, sobretudo para o primeiro dia de aulas, e por esse motivo era suposto estares...- Volta a olhar para a menina pelo retrovisor. - Apresentada. - Completa a sua frase num tom típico de uma mãe que está mais preocupada com aulas de etiqueta do que com os gostos genuínos da filha.

E Amelia sabia disso, vivia isso todos os dias da sua vida.

- Tchau mãe. - Despediu-se rapidamente de modo a ignorar as exigências diárias da mãe.

- O livro. - A voz grave de Isabella disse, enquanto estendia a mão.

- Mas mã...

- O livro Amelia. - Repetiu, ainda com o braço esticado.

Contrariada, a menina pegou no livro que por esta altura já tinha guardado na sua mochila colorida enquanto revira os olhos, para o entregar á Senhora Brown, sua mãe.

Uma tosse propositada soa quando Amelia volta a quase fechar a porta do veículo.
- E a minha boa sorte para o primeiro dia de aulas no terceiro ano escolar da minha filhinha de oito anos?

Ainda contrariada Amelia esboçou um pequeno sorriso. - Obrigada mãe. - E fechou a porta.

A última coisa que viu antes de a fechar foi a sua foto no ballet vestindo um maiô rosa na carteira da mãe, que estava pousada no banco, e foi com isso que se voltou a lembrar do que realmente representava para a sua mãe,
uma estrela.

Para sorte da Sra. Brown, ao contrário dos estudos, Amelia apaixonou-se pelo ballet no dia em que pisou aquele salão imenso, coberto de espelhos, e de música romântica e apaixonante para os seus ouvidos.
Assim como os contos românticos que lia enchiam o seu coração, estas músicas possuíam o mesmo efeito.

Mas nada se comparava ao Lago dos Cisnes, uma peça pertencente do Ballet, pela qual Amelia sonhava e assistia com lágrimas nos olhos as outras bailarinas, mais velhas, do salão de ballet actuarem. Inveja e ambição, era o que sentia.

Amelia tinha consciência do quanto isto era importante para a mãe, não por ser um sonho seu, mas sim pelas vantagens que isso lhe traria, a forma com que seria vista, o orgulho que sentiria e o ego flácido aumentado

Não era a filha que tinha que ali importava, não era Amelia, mas sim a Bailarina.

E esta foi outra característica fundamental da essência de Amelia.

Ela não queria ser idealizada,
ela queria ser amada.

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⏰ Última atualização: Jun 22, 2023 ⏰

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