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Subi cada degrau com todo meu esforço, mas por que não chego ao topo? Como um fio que me puxa para trás, me sinto presa.

Ao olhar para baixo, noto que estou sendo puxada para dentro da escada, no topo daquela escada está minha família, mas porque eles não me ajudam? Grito socorro mas não recebo ajuda.

Me sinto sonolenta agora, meu corpo não responde ao que a minha mente grita, será que estou morrendo?

Como areia movediça, sou puxada para dentro de escada e, em desespero, acordo.

Olho para todo o quarto e tudo está normal, perfeitamente arrumado e escuro. A pouca claridade que entra pela janela me mostra que ainda está amanhecendo. Busco pelo relógio e o encontro no apoio de cama, o que me confirma o horário, são 04:33 da manhã.

Tateio os lençóis em busca do meu celular quando o acho busco pela pessoa que tem sido meu apoio, o Alan.

— Alô.. Lilly, você está bem?? — Sua voz é sonolenta, rouca e calma.

— Somente mais um pesadelo.. Fique apenas comigo, preciso somente ouvir sua respiração... — Sinto minhas mãos trêmulas, não consigo respirar muito bem.

— Ãn.. Tudo bem. — ouço o barulho sutil dos lençóis se movendo e sua respiração agora é mais próxima. — Boa noite Lilly.

— Boa noite Alan! — aconchego-me aos lençóis.

Ouço sua respiração tranquila por mais um tempo até conseguir pegar no sono.

Acordo poucas horas depois e fico olhando para o teto, ainda posso ouvi-lo dormir. Você deve me perguntar mais quem seria o Alan? posso te responder.

Alan é, e sempre será, meu grande amigo. O conheci quando completei meu sexto ano de vida, ele era dois anos mais velho que eu. Crescemos juntos, tivemos nossas primeiras identidades falsas juntos, de modo geral, ele participou de quase todas as minhas primeiras vezes assim como eu participei das dele. Sempre conversamos sobre tudo, a alegria de um, era a alegria d'outro, a dor de um era a dor do outro. Sempre foi assim! Ele conheceu minhas melhores versões, pois é, nunca fui esse ser humano triste, mas hoje ele vê a ruína que já desabou e me ajudou muito a juntar os mil pedaços de mim.

Há, minha doce amiga, você deve se perguntar o por que de tanto sofrimento e eu te conto; a quatro anos atrás vivia o amor avassalador do casamento e gestação, a doçura de uma vida feliz, e não era nem um pingo de fachada. Mas um dia, voltando para casa, o Denis - meu marido - dirigia tranquilamente, estávamos saindo de uma pousada onde fomos tirar férias para aproveitar um pouco antes do nascimento do nosso bebezinho.

  Quase no final do nosso percurso, faltando quatro quarteirões para chegar a nossa casa, em uma transversal, fomos surpreendidos por um caminhão. Nosso carro capotou, não sei dizer a quantidade de vezes, mas a última memória que tive de toda a batida foi de segurar o minha barriga.

Quando acordei no hospital, vi minha mãe em um sofazinho, olhos com olheiras já fundas, papai ao seu lado. Os dois cochilavam, mas pareciam tão abatidos. Alan estava ao meu lado direito, com a cabeça em minha mão, baixa, cochilando, e ao meu lado esquerdo estava ele, Denis. Alguns arranhões no rosto, um roxo na bochecha, pontos na sombrancelha. Então, em um estalar de dedos lembrei o que aconteceu e como estava sentindo falta de algo.

Olhei para minha barriga mas percebi a falta dela, ainda tinha um pouco, aparentava a barriga de uma gestante de quatro meses mas eu já estava com quarenta semanas, com um baita barrigão.

— Onde.. — minha garganta queimava como se uma brasa estivesse descendo naquele momento por ela — Me..Me..
Meu bebê!

Alan, ele foi o primeiro a levantar a cabeça, atordoado, assustado. Denis logo depois, olhos no meu e eu soube. Ele não precisava me dizer, seus olhos marejados, sua tristeza, seu aperto em minha mão.. O mundo se ruiu, desejei não acordar, desejei ter morrido junto.

Mil partes de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora