Prólogo

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Prólogo


Era uma terça feira de setembro, às cinco e meia da tarde quando recebi a primeira carta. Lembro-me que não reparei em muitos detalhes da correspondência, a não ser em seu lacre que se dependesse de mim permaneceria intacto para todo o sempre. Claro que eu estranhei ter recebido algo endereçado a outra pessoa, mas logo de primeira pensei "Uh, ela deve ter acabado aqui por engano." E por isso mesmo voltei a me sentar em frente ao meu computador enquanto enfiava a mesma em uma das gavetas da escrivaninha.


A segunda carta chegou trinta minutos depois, mas ao invés de ter seu lacre selado, um único adesivo fazia questão de fechá-la.


A terceira veio uma hora após a chegada da segunda e sem nenhuma dúvida era mais formal. Dessa vez eu fiz questão de reparar em cada pequeno detalhe ali. O papel mais grosso e de alguma maneira mais macio, as letras empresas em uma grafia mais comportada, de maneira com que a mesma parecesse uma obra de arte.


E ali nela, escrito mais uma vez o mesmo nome: Bauer.


Mas infelizmente esses não foram eventos isolados.


Mais tarde naquele dia observei passarem por de baixo da porta pelo menos mais cinco correspondências. Cartas lacradas, cartinhas feitas em papel sulfite cheias de desenhos e glitter, cartões festivos e todas endereçadas para o mesmo nome.


Talvez o antigo morador da casa?


Receber cartas enviadas para o desconhecido começou a se tornar cada vez mais frequente. E como se já não bastasse isso no exato momento em que decidi habilitar o telefone residencial, surgiram as ligações. Alguns dias eu chegava a receber cerca de quarenta chamadas telefônicas à procura do alguém.


E isso explica o porquê de eu sempre deixar o telefone fora do gancho.

Nos primeiros três dias eu ainda mantive a esperança de que com o tempo isso não aconteceria mais. Pra mim era como se fosse um problema de percurso. Que de alguma maneira certas pessoas acabavam trocando um número ou dois e assim ligavam para o número de minha casa. E que isso acontecia também com o carteiro, que eu imaginei que deveria estar em um momento difícil e assim altamente distraído.


Por esse tempo tentei esquecer o quanto as ligações me incomodavam e o fato das cartas terem passado a lotar algumas das gavetas ao longo de minha residência.


Porém chegou um momento em que passou a ser difícil demais ignorar o fato de que nem mesmo as ligações e todas as correspondências eram somente coincidência. Ignorar o fato de que ter o telefone tocando vinte e quatro horas por dia estava me deixando paranoica a ponto de desconectá-lo da tomada. E assim abrir a hipótese de que de alguma maneira eu havia desaparecido.


Pelo menos foi isso que Phillipe gritou quando apareceu na porta da minha casa me fuzilando.


Se eu estivesse na Inglaterra é claro que eu tentaria resolver o problema o mais rápido o possível, porém estando em um lugar onde eu só entendo cerca de dez por cento do que as pessoas falam essa se torna uma tarefa um tanto quanto impossível. Como eu poderia resolver um problema desse tamanho quando somente sei falar palavras chaves, as palavras necessárias para que eu ainda consiga ter o que comer.


A única razão de eu estar na Alemanha só poderia ser Phillipe.


Phillipe, meu melhor amigo. Ou melhor, "minha melhor amiga".  A rainha da razão, do drama, dos namorados bonitos e provavelmente a única pessoa que me forçaria a ir morar em uma cidade com um nome estranho dizendo: "O clima, a paisagem e o fato de ser um lugar totalmente diferente de Oxford vai fazer com que você não pare de escrever por um segundo!".


Se bem que eu sempre soube que a única razão de estarmos aqui é seu namorado novo e provavelmente super bonitão que ele faz questão de manter em segredo.


Ele deveria estar produzindo algo para nosso livro e não indo a lugares descolados todos os dias e me mandando ir morar em uma casa onde cartas surgem do nada e o telefone toca sem parar.

Não que eu esteja produzindo algo. Afinal meus pensamentos se mantém concentrados nos possíveis motivos das milhares de ligações e no barulho incomodo que parece ter tomado conta do meu cérebro.


O primeiro volume de "As crônicas de Andrômeda" pode ter sido um sucesso, mas quem garante que o segundo volume seja também?


De acordo com Phill nós temos genialidade quando trabalhamos em conjunto e que nem mesmo o fato dele estar explorando novos horizontes com seu namorado e as ligações que me impedem de escrever um parágrafo, podem nos impedir de conseguir mais uma vez um primeiro lugar na lista do New York Times.


E eu discordo disso.


Ele sempre foi a pessoa positiva e que acredita que tudo vai dar certo, e eu sempre fui pessoa que pensa demais até se tornar um pouco cansativa. Eu sou Yin, ele é Yang ou algo do tipo. Como a alma negra e alma resplandecente de luz.


A única certeza que tenho é que eu preciso acabar com o problema "cartas que surgem do nada e telefonemas estranhos" antes que eu enlouqueça pensando nos possíveis motivos para que isso esteja acontecendo ou que eu não consiga cumprir o prazo para escrever todos os vinte capítulos que devo entregar nesses meses.


Basicamente, antes de eu arruinar a minha vida.

Um mês de domingosOnde histórias criam vida. Descubra agora