_ Boa dia dona Constiliana!
_ Bom dia professora Cecília!
_ Pedi para que esperasse um pouco, porque preciso lhe recomendar um acompanhamento psicológico para seu filho.
_ O que meu filho tem?
_ Não sei.O Sandro é um jovensinho muito bom. Não me dá trabalho como alguns da turma dele. No entanto noto que tem muita dificuldade em prestar atenção nas matérias aplicadas, o que está refletindo em suas notas. Existem alunos que após fazerem um acompanhamento adequado são diagnosticados com déficit de atenção. Sou professora há muito tempo e esse tipo de situação já se tornou comum para mim.
_ Farei como me pede então dona Cecília.
_ Mas não precisa ficar preocupada não. Seja lá o que for , não é algo que comprometa a saúde e o bem estar de seu filho. Mas a longo prazo pode prejudica-lo em seu desenvolvimento social e profissional. Pode ser também que ele não tenha nada clínico. Portanto o quanto antes desfazer essa dúvida melhor.
Dona Constiliana voltou pra casa com seu filho. Durante o trajeto ia refletindo sobre o que a professora havia falado. Num dado instante, questionou a si mesma se a desconfiança de Cecília tinha a ver com algo herdado dela mesma. Sua mente foi bem mais longe agora . Nos tempos de escola. Ela que com muito custo concluira o quarto ano primário. E logo a seguir abandonou os estudos. Muito por conta das dificuldades vividas na época. As famílias mais simples consideram de muito maior relevância o trabalho do que os estudos. Mas é fato também que Constiliana tinha grande dificuldade em se manter atenta e em entender o que era explicado em sala de aula. Gostava de escrever poesias e desenhar no meio da aula de matemática. Muito tímida que era, se isolava dos colegas com medo de sofrer o que só anos mais tarde seria considerado "bullying".
Tão absorta que estava em suas lembranças que custou a perceber que Sandro lhe contava sobre coisas que acontecera naquele dia. Despertou de seus devaneios a respeito do passado quando ouviu ele dizer que havia brigado na escola. Ela preocupada então lhe perguntou:
_ sua tia Cecília não fez nada a respeito?
_ ela não ficou sabendo mãe. Pois tudo se deu no anexo da rua de cima.
_ E o que você foi fazer lá menino?
_ fui merendar. Pois lá em cima são poucos alunos e todo mundo merenda. Na escola de baixo a fila é muito grande. E eu estava com muita fome. Mas eu fui convencido pelos meus coleguinhas. Ao chegar um menino que não gosta de mim, me empurrou dizendo que ali não era meu lugar. Fiquei nervoso e dei um soco no olho dele. Antes que ele apanhasse seus óculos que caíram no chão, corri como um louco pra escola de baixo outra vez. Meus coleguinhas, também não viram pois já estavam merendando. E eu ainda estava na fila. E devido a isso fiquei sem merenda também. Tô morrendo de fome. E com medo de ir na aula amanhã. Os meninos do anexo vão querer me pegar depois da aula.No outro dia dona Constiliana ia mais cedo pra buscar seu filho e ficava esperando bem em frente a sua sala.
Sandro estava fazendo o segundo ano primário. E antes de terminar o segundo bimestre, ele que era filho único se mudou com seus pais para uma pequena cidade vizinha. O menino não se adaptou de imediato a nova escola. A maioria dos alunos não gostavam dele. E a nova professora não o conhecia direito, muito menos teve a sensibilidade que a tia Cecília tinha para compreender suas dificuldades. Sandro atraia pra si as chacotas, pilherias e algazarras, muito dado a sua ingenuidade. Parecia ele mais infantil que todos os coleguinhas de sua idade. Como consequência, Sandro foi reprovado na escola pela primeira vez aos 9 anos de idade.
Devido a simplicidade de seus pais e a vida que na época não era fácil, com o tempo aquelas preocupações a respeito do aprendizado de Sandro foram ficando esquecidas, se tornando banais até mesmo pelo fato de Dona Constiliana também ter sido assim e não ter tido nenhuma complicação séria de saúde por conta disso. As dificuldades da mãe de Sandro a acompanharam durante toda a vida. Era ela uma pessoa muito dependente. Todas as questões de administração da casa, compras no mercado e qualquer outros ganhos ou gastos, ficava sob total responsabilidade de seu esposo.
Seu Zezinho pai do menino Sandro, trabalhava muito pra que não faltasse o essencial dentro de casa. E dado a criação que teve, não tinha muito traquejo, pra entender coisas fundamentais como presença e carinho. Certo dia Sandro teve uma febre muito alta. Enquanto delirava, desabafou aos prantos o quanto sentia a falta do pai, que voltava todo dia pra casa, mas nunca se aproximava dele. Isso veio a mudar anos mais tarde quando Sandro já adulto num repente em tom de brincadeira pegou seu Zesinho no colo. A partir desse dia o gelo foi quebrado entre os dois. Apesar do jeito distante de seu pai, Sandro sempre o teve como seu herói, aquele ao qual admirava e se espelhava. Foi dele que mais tarde herdou a vontade de tocar violão. Viria esse a ser sua ferramenta de trabalho a seguir.
Quando Sandro estava na quarta série, precisava de 1 ponto já depois da recuperação. Dona Constiliana que após ter perdido sua filhinha quando estava em trabalho de parto já não tinha a mesma disposição. Parecia ter início ali uma profunda depressão que nunca foi tratada. No entanto a vida seguia adiante e Sandro precisava dela. Foi até dona Irene professora de seu filho naquela ocasião, e pediu que lhe desse mais essa chance para que ele não perdesse mais um ano. Ela atendeu ao pedido de sua mãe mas alertou que se o seu filho não melhorasse, viria a "tomar bomba" no ano seguinte, já que conteúdos importantes para o seguimento na próxima série haviam sido pouco absorvidos por ele.
Dona Irene estava certa. E Sandro foi reprovado pela segunda vez agora no ginásio. Desde então até sua formatura após a oitava série, conseguiu seguir adiante sem repetir de ano. Ainda assim suas notas eram baixas. Porém na oitava série foi o ano que menos estudou. Pois o governo de Eduardo Azeredo que teve sua gestão durante os anos de 1995 a 1999, havia implantado um sistema de avaliação sem notas, apenas com conceito por escrito do professor . Moral da história, todos já começavam o ano aprovados. Só um absurdo muito grande seria capaz de reprovar durante aquele período.
Sandro Já estava com dezoito anos e cheio de complexos. Se sentia inferior aos seus colegas, e assim como foi com sua mãe, passava a maior parte do tempo na escola escrevendo e desenhando. Havia também bons amigos, que compreendiam seu jeito de ser e faziam com que ele se sentisse um pouco mais a vontade. Fato é que Sandro ainda naquela época sofria por ser tão diferente. Tudo que queria era ser como todo mundo. Queria ser bom em matemática, se livrar de tanta timidez e ter uma namorada. Quando não estava estudando Sandro ocupava seu tempo indo trabalhar na lavoura, ou mesmo ajudando seu pai que era pedreiro. Não gostava nem um pouco de nada disso. Portanto vivia dando desculpas para faltar ao trabalho. O dinheiro que conseguia,trabalhando era gasto com pura besteira. Não sabia administrar nada. Porém tudo isso o incomodava. Não tinha forças nem estava no momento certo de sua vida pra compreender o que precisava ser feito pra sair daquela condição.
Mas nem tudo era só derrota. Sandro era muito bom em várias coisas. Sempre escreveu muito bem e até ganhava prêmios em concursos literários promovidos pela educação nas escolas. Também era ótimo no futebol, sendo sempre um dos primeiros escolhidos na hora de formar os times. E desde muito tempo já desenvolvia uma aptidão pra música que o diferenciava dos demais. Era muito criativo em tudo que gostava de fazer. E mesmo sendo muito tímido, já em sua adolescência tinha facilidade em fazer amigos, dado ao seu jeito simples e extrovertido quando se tornava íntimo de alguém.
Continua ...
VOCÊ ESTÁ LENDO
TDAH/ OBJETIVANDO O SUBJETIVO
De TodoA mente realmente é muito complexa. Um universo talvez ainda menos conhecido do que o observável ao céu a noite.