IV- Esclarecimentos complementares de Engels

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Marx elucidou, em princípio, o sentido da experiência da Comuna. Engels retomou várias vezes esse tema, completando a análise e as conclusões de Marx e esclarecendo, por vezes, outros aspectos da questão, com um tal vigor e relevo que devemos deter-nos sobre esses esclarecimentos.

1. O problema de habitação

No seu Problema da Habitação (1872), Engels baseia-se já na experiência da Comuna, detendo-se várias vezes sobre o papel da revolução em face do Estado. É interessante ver como, nessa matéria concreta, ele explica, de urna forma precisa, por um lado, os traços de semelhança entre o Estado proletário e o Estado atual, traços que permitem, num ponto ou noutro, falar-se em Estado, e, por outro lado, os traços que os contrapõem e que indicam a passagem para a supressão do Estado.

Como resolver o problema da habitação? Na sociedade atual, ele se resolve absolutamente da mesma maneira que qualquer outra questão social, isto é, pelo equilíbrio econômico que pouco a pouco se estabelece entre a oferta e a procura, solução esta que adia perpetuamente o problema e é o contrário de uma solução. A maneira pela qual a revolução social resolverá essa questão não depende somente das circunstâncias de tempo e de lugar; liga-se, também, a questões que vão muito mais longe sendo uma das principais a supressão do antagonismo entre a cidade e o campo. Como não temos que fantasiar sistemas utópicos de organização da sociedade futura, seria pelo menos ocioso determo-nos sobre o assunto. Uma coisa é, incontestável: é que atualmente, nas grandes cidades, há imóveis bastantes para satisfazer as necessidades reais de todos, sob a condição de serem utilizados racionalmente. Essa medida só é realizável, bem entendido, sob a condição de expropriar os proprietários atuais e de instalar em seus imóveis os trabalhadores sem habitação ou vivendo atualmente em habitações superlotadas. Conquistado o poder político pelo proletariado, essa medida, ditada pelo interesse público, será tão facilmente realizável como as expropriações e seqüestros de imóveis levados a efeitos atualmente pelo Estado.

O que se encara aqui não é a mudança de forma do poder político, mas a sua atividade. O Estado atual efetua expropriações e seqüestros de casas. Do ponto de vista formal, o Estado proletário "efetuará", também, expropriações e seqüestros de imóveis. Mas, é claro que o antigo aparelho executivo, em outras palavras, o corpo de funcionários, inseparável da burguesia, seria inteiramente incapaz de executar as decisões do Estado proletário.

É preciso constatar que a apropriação, feita pelo povo trabalhador, de todos os instrumentos de trabalho e de toda a indústria está em completa oposição com o "resgate" preconizado por Proudhon. Segundo este, cada operário torna-se proprietário de sua habitação, do seu palmo de terra e das suas ferramentas, enquanto que no outro sistema é o "povo trabalhador" em bloco que fica proprietário das casas, das fábricas e dos instrumentos de trabalho. O usufruto dessas casas, fábricas, etc., pelo menos no período de transição, não pode ser atribuído aos indivíduos ou às sociedades privadas, sem indenização. Assim também, a supressão da propriedade fundiária não implica na supressão da renda fundiária, mas na sua entrega à sociedade, pelo menos sob uma forma um pouco modificada. Por conseqüência, a posse real de todos os instrumentos de trabalho pelo povo trabalhador não exclui de modo algum a conservação do aluguel e da locação.

No capítulo seguinte, examinaremos a questão, aqui apenas tocada, das bases econômicas do definhamento do Estado. Engels exprime-se com uma prudência extrema quando diz que o Estado proletário "não poderá" distribuir as habitações sem aluguel, "pelo menos no período de transição". A locação das habitações, propriedade de todo o povo, a esta ou àquela família, mediante um determinado aluguel, acarreta a percepção desse aluguel, um certo controle e o estabelecimento de determinadas normas de distribuição das habitações. Tudo isso exige uma determinada forma de Estado, mas não carece, de modo algum, de um aparelho militar e burocrático especial, com funcionários privilegiados. Assim, a passagem para um estado de coisas em que se possam fornecer habitações gratuitamente depende do "definhamento" total do Estado.

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