1. As vésperas da revolução
As primeiras obras do marxismo adulto, A Miséria da Filosofia e o Manifesto Comunista, aparecem nas vésperas da revolução de 1848. Em conseqüência desta circunstância, além da exposição dos princípios gerais do marxismo, temos nelas, até certo ponto, um reflexo da situação revolucionária de então; assim, creio que será mais acertado estudar o que os nossos autores dizem do Estado, antes de examinarmos as suas conclusões da experiência dos anos de 1848-1851.
Em lugar da velha sociedade civil - escreve Marx na Miséria da Filosofia - a classe laboriosa, no curso do seu desenvolvimento, instituirá uma associação onde não existirão as classes nem os seus antagonismos; e, desde então, não haverá mais poder político propriamente dito, pois o poder político é precisamente o resumo oficial do antagonismo existente na sociedade civil(2).
É instrutivo aproximar desta exposição geral da idéia do desaparecimento do Estado a exposição feita no Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels alguns meses mais tarde, em novembro de 1847:
Esboçando a largos traços as fases do desenvolvimento proletário, expusemos a história da guerra civil, mais ou menos latente na sociedade, até a hora em que se transforma em revolução aberta e em que o proletariado funda a sua dominação pela derrubada violenta da burguesia.
Como vimos acima, a primeira etapa da revolução operária é a constituição (literalmente: a elevação, Erbebung) do proletariado em classe dominante, a conquista da democracia.
O proletariado aproveitará a sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos dá Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível a quantidade das forças produtoras.
Vemos aqui formulada uma das mais notáveis e importantes idéias do marxismo a propósito do Estado, ou seja a da "ditadura do proletariado" (como Marx e Engels, depois da Comuna de Paris, iriam chamá-la); encontramos, depois, uma definição altamente interessante do Estado, que faz parte, também, das "palavras esquecidas" do marxismo: "o Estado, isto é, o proletariado organizado como classe dominante ".
Essa definição do Estado nunca foi comentada na literatura de propaganda e de agitação dos partidos social-democratas oficiais. Ainda mais: foi esquecida precisamente por ser inconciliável com o reformismo e absolutamente contrária aos preconceitos oportunistas habituais e às ilusões burguesas sobre o "desenvolvimento pacífico da democracia".
O proletariado tem necessidade de um Estado, repisam todos os oportunistas, os social-patriotas e os kautskistas, afirmando ser essa a doutrina de Marx, mas "esquecendo-se" de acrescentar: primeiro, que o proletariado, segundo Marx, só tem necessidade de um Estado em definhamento, isto é, constituído de tal forma que comece sem demora a definhar e que não possa deixar de definhar; depois, que o Estado de que os trabalhadores precisam não é outra coisa se não "o proletariado organizado como classe dominante".
O Estado é a organização especial de uma força, da força destinada a subjugar determinada classe. Qual é, pois, a classe que o proletariado deve subjugar? Evidentemente, só a classe dos exploradores, a burguesia. Os trabalhadores só têm necessidade do Estado para quebrar a resistência dos exploradores, e só o proletariado tem envergadura para quebrá-la, porque o proletariado é a única classe revolucionária até o fim e capaz de unir todos os trabalhadores e todos os exploradores na luta contra a burguesia, a fim de a suplantar definitivamente.
As classes exploradoras precisam da dominação política para a manutenção da exploração, no interesse egoísta de uma ínfima minoria contra a imensa maioria do povo. As classes exploradas precisam da dominação política para o completo aniquilamento de qualquer exploração, no interesse da imensa maioria do povo contra a ínfima minoria dos escravistas modernos, ou sejam os proprietários fundiários e os capitalistas.
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Estado e revolução
Non-FictionO Estado e a Revolução é um livro de Vladimir Lênin publicado em setembro de 1917, às vésperas da Revolução de Outubro liderada pelo partido Bolchevique.