Assim Surgiu a Criação

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Quando você nasce, já é designado a uma família, a um lar, a um pai e uma mãe, a um destino. Você pensa que controla sua vida, mas está totalmente errada. Todo mundo acha que existe esse tão amado livre arbítrio, e suas decisões são completamente suas, que ninguém as decidiu por você. Mas e o destino? Você acha realmente que ele não existe? Você acha mesmo que é você quem escolhe se vai para a direita ou para a esquerda, se dessa vez vai tomar café com leite ou café com açúcar? Você é só uma peça entre muitas outras; o destino comanda cada pecinha nesse imenso tabuleiro, e não importa o quanto você tente, você nunca vai poder tomar nenhuma decisão que não seja passada por ele. Afinal, quem é você? Você é só um ser humano patético, pequeno, um pequeno grão em uma imensidão que chamamos de universo.

Como eu sei disso? Eu sou aquilo que existe desde antes do mundo, desde antes do universo, antes da primeira vida ser criada. Eu sou a própria criação. Eu estava aqui quando a primeira coisa foi criada e eu também vou estar aqui quando a última for. Você não me entende e nunca vai me entender. Ninguém entende como a criação é feita, qual é o sentido dela, qual é o sentido da vida. Bem, essa é a resposta que todos almejam, mas que, infelizmente, poucos vão ter. Essa resposta, ou talvez uma chance de tê-la. Eu sou tudo e nada. Dentro de mim existe tanto a vida quanto a morte. Eu sou tão velha quanto o tempo, mas sou tão nova quanto ele.

Mesmo sendo a personificação da criação e sabendo tudo, é como se faltasse algo. É como assim, mesmo tendo sido criada para ser a perfeição, a criação à vida, isso tudo é perfeito: a bondade, a generosidade, tudo que é de bom é perfeito, mas eu nunca me senti completa. Mas então, como algo imperfeito, algo não completo, pode fazer coisas completas? Isso é impossível. Então, foi assim que eu descobri que, na realidade, eu não fui criada para ser a criação; eu fui designada para ser ela. Eu não acordei vendo o rosto de quem seria a minha mãe e nem o do meu pai. Eu não acordei, assim, com os sorrisos deles de alegria por eu ter nascido. Na realidade, a primeira coisa que eu vi quando abri meus olhos foi um limpo, foi o completo vazio. Tudo à minha volta era escuro. Eu andava e andava, mais e mais e mais, mas eu nunca chegava a lugar nenhum. Até que eu avistei duas crianças que, mais tarde, me contaram que seus nomes eram Catherine e Juliano. Eles me disseram que era o destino e que eu era parte de milhões de pessoas que iriam nascer entre aqueles milhões de anos para frente. Eles foram justos no meu século e me escolheram. Assim, eu fui designada para ser a criação; me escolheram para ser o que eles esperavam, até mais do que eles queriam. Nas minhas mãos estava o dever de cuidar e de criar todos os possíveis seres que iriam nascer, cada ser vivo, até mesmo coisas inanimáveis.

Bem, pelo menos eu não estava sozinha. Até, pelo menos, eu tinha algo para chamar de meu. Aquelas duas crianças, de alguma forma, entre os anos que fomos compartilhando, mais eu tinha alguém... Alguém que não importava para onde eu fosse. Não importa se na época ele estava lá me acompanhando. A luz não existe sem escuridão; a vida não existe sem a morte. Onde a criação vai, sempre existirá um rastro de destruição. Aqueles olhos, aqueles olhos que me acompanhavam para onde eu fosse. Toda vez que eu olhava para a galáxia, me lembrava dele, aqueles olhos negros, tão escuros que, se você olhasse mais fundo, poderia mergulhar e nunca mais voltaria, porque não existe luz, porque não existe uma escapatória. Mas, infelizmente, eu me esqueci disso. Desejei tanto, afirmei tanto que eu era perfeita, que eu não era uma simples humana, que, no final, eu me esqueci que ainda restava a coisa mais humana possível: os sentimentos. Eu mergulhei naqueles olhos e não consegui achar a saída antes que eu fosse engolida completamente.

Mas não está na hora de eu contar essa parte; ela é muito deprimente. Vamos voltar para os tempos atuais, onde sou apenas uma pobre médica cirurgiã, e a minha maior preocupação são os plantões e as contas que devo pagar. Nunca achei que trocar a vida de um ser supremo por um mero ser seria tão horrível que eu era o que faltava. Eu tinha sido designada para ser a criação.

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