— Harumi? Harumi, preste atenção!
— Ahn?
Mamãe me chamou. Distraída, não ouvi que nosso portão de embarque abriu. Com a boca aberta em "o", estava perdida em pensamentos observando um pai e a filha dormindo nas cadeiras marrons do aeroporto. Ela, que parecia ter a minha idade, 18 anos, estava encostada nele e descansava tão tranquilamente que senti vontade de tirar uma foto e guardar uma lembrança que não era minha.
Puxei a alça da mala verde-primavera enquanto a senhora Hikari levava uma lilás. Mamãe fitava com preocupação e um pouco agitada todas as placas e pessoas ao nosso redor, mexendo os cabelos castanhos ao virar de um lado para o outro, pois o aeroporto de Paris era enorme e estava um tanto perdida. Me aproximei dela e pus a mão em seu ombro:
— É por ali, okāsan* — sorri e apontei para um corredor que tinha uma placa escrita "embarque" e as marcas sutis de expressão em seu rosto claro se tranquilizaram, dando um sorriso doce.
— Obrigada, meu bem. Vamos.
Depois de cinco passos, olhei de volta para o pai e a filha, que ainda dormiam no mesmo lugar. Suspirei fundo e continuei caminhando.
Já no avião, sentei do lado da minha mãe e me recostei na poltrona macia, colocando os fones de ouvido. Tirei dois chicletes da bolsa que eu trazia e dei um para ela, além de um livro também, que talvez eu não fosse ler, mas queria pelo menos deixar alguma coisa em mãos.
Olivia Georgia já começava a soar nos meus ouvidos quando notei algumas pessoas sentando do lado oposto ao nosso: era um casal com um bebê pequenino, deram um sorriso afável para nós e se acomodaram. Pensei que eu não fosse me lembrar do que eu não tinha outra vez, mas me enganei.
Virei para a janela do avião tentando esquecer e vi a grande asa branca se destacando no cenário escuro das onze horas da noite. Do lado de fora, as luzes do aeroporto e dos balizadores brilhavam e eu sorri.
Voltávamos para o Japão após passar férias em Montolieu, uma pequena e linda cidade francesa onde os livros estão por toda parte. Talvez seja por isso que amei tanto ir até lá.
Nossa casa ficava em Tóquio e viemos para realizar meu sonho de ir à França.Sabia quantas coisas renunciamos para que pudéssemos vir e insisti muito que mamãe não precisava fazer isso, pois eu sabia dos gastos, mas ela afirmou: "Você vai a Montolieu. O sonho é seu e eu quero realizá-lo".
Deus sabe que eu não merecia essa mãe porque era boa demais para mim.
Abri "Os Quatro Amores" do meu querido C. S. Lewis e li o prólogo que tanto me marcou: Que nossos afetos não nos matem nem morram.
Minha concentração durou pouco porque a bebê começou a rir baixinho no colo do pai e lá foi a Harumi se distrair de novo.
O pai balançava a neném devagar, encostando o nariz no dela e fazendo-a rir. Mamãe dormia cansada, por isso nem notou.
Com o livro aberto, fiquei observando a cena, desejando um milhão de vezes que aquela fosse eu.
Meu pai nos deixou assim que descobriu que mamãe estava grávida. Então ela foi morar com sua irmã mais nova, Hatsumi, já que meus avós já não estavam mais entre nós.
Portanto, toda vez que vejo alguém com o pai, fico olhando como uma criança para a loja de brinquedos: queria tudo isso, só que não é meu. Em meu coração, há um espaço para a figura paterna que ele deixou vazio.
Não o conheço, entretanto, em todo esse tempo nunca fez questão de me procurar.
Então, apesar de saber que tenho um Pai no céu, esse lugar continuava aberto. Era como uma casa espaçosa com vários quartos.Alguns estavam ocupados e outros não precisavam ser preenchidos agora, porém esse fazia uma falta grande.
O moço olhou para mim e sorriu, parecendo entender meus pensamentos. Seu gesto terno fez meu peito doer e ficar aliviado ao mesmo tempo. Retribuí da melhor forma que pude, sentindo as lágrimas brotando em meus olhos.
Afundei-me no assento e abracei o livro, pequeno demais para tudo o que senti. Pequenas gotas caíram no meu moletom branco e chorei em silêncio, não queria incomodar minha mãe, ela estava exausta.
Apertei com mais força os meus braços ao redor do corpo, tentando consolar a mim mesma apesar da solidão.
De repente, ouvi "Every Rise Every Fall" tocando nos fones e as seguintes palavras viajaram até meu interior:
"Você quebrou meus medos
E me submergiu em paz.
Eu não estou preso ao medo, na Sua presença eles cessam.
Meu coração, ele está conquistado.
Você sozinho é o suficiente.
Eu cansei de procurar, é Você que eu quero."O avião decolou e em poucos minutos já voávamos sobre os prédios e depois as nuvens. Nada mais era visto lá embaixo. Mirei a linda vista daquelas nuvens escuras e chorei mais um pouco, mas agora com um sorriso.
Ele criou tudo, como poderia não ser suficiente para suprir esse vazio?
Inúmeras vezes senti medo por não ter ninguém para chamar de pai quando outras pessoas me perguntavam, mas percebi que eu sempre tive alguém, na realidade.
Me assombrava o medo de não ser protegida, medo de ser julgada, medo de ser abandonada outra vez. Entretanto, todos os medos cessaram. Junto dEle, eu sou filha, protegida, amada, querida, abraçada e consolada.
Ao lado dEle, posso dormir tranquila, posso dar risada, falar sobre o livro que estou lendo, tudo eu posso.
Encostei em minha mãe e fechei os olhos, pois ainda teríamos muitas horas de voo. Olhei uma última vez para janela.
Ele é meu pai. Eu nunca estive sozinha. Nunca mesmo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nunca Estive Sozinha - Conto Cristão
RomanceLivro 1 da Duologia Memórias Classificação: +14 Atenção: contém gatilhos de abandono paterno e luto. ✨Sinopse Qual o tamanho da ferida que a ausência pode causar no coração humano? Bem, Harumi nos mostra que pode ser enorme. Como uma casa totalmente...