Salem

Shadow

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1698, 𝑆𝑎𝑙𝑒𝑚

     ELIZA SENTIU UM ARREPIO percorrer a sua nuca. Quando ela piscou seus olhos a sombra havia desaparecido, fazendo a fina cortina branca da janela balançar com a leve brisa de vento. 

      A Howe sabia que ver aparições como essa perto do dia de seu aniversário de dezenove anos não era algo tão anormal, significava que ela já estava pronta espiritualmente para o ritual. Eliza tinha o pressentimento de que aquilo não era um fantasma, talvez fosse apenas sua mente tentando pregar-lhe uma peça. 

        Eliza respirou fundo e continuou seu caminho até uma pequena mesa que ficava no lado direito da sala de estar, nela havia um livro antigo encapado com couro preto. O livro explicava detalhadamente o processo de fabricação da poção, além das instruções que Eliza precisa para começar os preparos do ritual. 

         A garota pegou o livro e se dirigiu a cozinha novamente, folheou as páginas cuidadosamente para não rasgar. Se o livro não tivesse sido protegido com magia, certamente já teria estragado com fungos ou algo parecido. 

         Eliza leu o modo de preparo atentamente, pegando quinze flores de cerejeira e as colocando em um pequeno pote de madeira, em seguida adicionando exatas trinta e três gotas de suco de romã e as misturando junto da flor até formar uma mistura cremosa. 

         Enquanto Eliza adicionava os últimos ingredientes, Liam pulou no balcão para observar melhor a sua dona. O gato encarava Eliza, atento a cada movimento da garota, como se estivesse conferindo se ela estava fazendo tudo corretamente. Se alguma instrução não for seguida exatamente como está escrito, poderá causar algum problema no ritual. 

          Depois de pronta, a poção deverá ser colocada sob a luz da lua por duas noites, durante o dia deverá ser armazenada em um local sem luz e seguro. 

           Eliza enrolou o pequeno frasco de vidro com o líquido rosa em um pedaço de pano velho que achou ao lado da cesta de frutas, os colocando em uma gaveta da cozinha. A garota então caminhou em direção ao seu gato e o pegou no colo, acariciando os pelos macios do bichano. 

       

     — Você é o único motivo de eu ainda não ter desistido, sabia? — Eliza sorriu ao ouvir o ronronar de seu gato. 

        A Howe sempre imaginou como seria se sua família estivesse viva, ela não seria tão sozinha como é atualmente. Ela já cogitou diversas vezes a opção de tomar uma poção mortífera durante a noite para nunca mais acordar, mas ela sempre se lembrava de que se fizesse isso acabaria deixando Liam sozinho e sem ninguém para lhe alimentar e acariciar seu queixo todas as noites antes de dormir. 

         A luz do sol desaparecia do céu, dando lugar à escuridão da noite. Os morcegos já estavam saindo de suas cavernas para caçar, assim como outros animais noturnos, vagalumes voavam sem rumo pela vasta floresta, as aves conferiam se seus filhotes estavam seguros para finalmente poderem dormir. 

          Eliza observava a lua através da janela de seu quarto, essa sempre foi a sua parte favorita do dia. Com seu pincel, ela coloria o quadro apoiado no cavalete a sua frente, ela sempre adorou arte. A forma como poderia se expressar apenas com rabiscos, desenhos, pinturas, entre outras coisas, a deixava impressionada. 

           Depois de finalizar a pintura do céu que continuava com algumas nuvens alaranjadas como se tivessem sido pintadas com aquarela, ela guardou suas tintas. Eliza olhou para a janela uma última vez antes de ir se deitar, sentindo um arrepio percorrer seu corpo pela segunda vez naquele dia, seu olho foi rapidamente direcionado para a beira do lago que ficava em seu quintal, lá havia a silhueta de um homem virado em sua direção. Eliza arriscaria dizer que ele é o dono da sombra que havia visto mais cedo quando foi pegar seu livro na sala. 

           A jovem Howe já estava pronta para caso algo acontecesse, mas foi surpreendida quando, em um piscar de olhos, o homem desapareceu. Eliza resolveu ignorar aquele acontecimento por enquanto, ela havia feito uma magia de proteção ao redor de sua casa, então ela estaria segura. 

            A garota fechou sua janela devido a fria brisa de primavera que estava entrando em seu quarto e caminhou em direção a sua cama, se deitando no colchão macio e se cobrindo com suas quentes cobertas em tons de preto e vinho. Ela estranhou o fato de que Liam não estava deitado ao seu lado na cama mas não se importou, talvez ele estivesse comendo sua ração no andar debaixo. 

            Aos poucos seus olhos foram pesando e a transportando para um sonho magnífico. 

             Aquele lugar aparentava ser um beco, nos cantos das paredes das casas haviam algumas plantas, árvores e flores de diversas cores.

             

          Conforme adentrava mais o beco, Eliza conseguiu ver algumas pessoas andando pela rua principal, algumas carregavam apenas uma lista de compras nas mãos, outras carregavam bolsas e sacolas. 

          Eliza se sentiu como se estivesse em outro mundo — o que de fato, era verdade — era tudo tão belo, real e mágico, algo que nunca havia visto antes. 

          Estava tão absorta em seus pensamentos sobre aquele lugar que mal notou Liam se aproximando. 

           — Ei garoto, o que você está fazendo aqui? — indagou Eliza, confusa pela presença de seu gato naquele lugar. 

     

            Assim que Liam conseguiu a atenção da garota, ele começou a se afastar. Eliza, confusa com aquilo, seguiu o gato. Liam se esquivava das pessoas que andavam por aquela rua movimentada, o que era mais fácil para ele do que para Eliza considerando suas diferenças de tamanho. 

           Após alguns minutos andando, eles haviam chegado a um lugar que parecia ser uma praça, no centro dela havia uma fonte de água feita de prata com uma escultura de gato em seu topo. Liam começou a caminhar para o lado oposto da fonte, entrando em mais um beco. 

          Eliza apressou seus passos em direção ao seu gato para não perdê-lo de vista, mas de nada adiantava, Liam já havia conseguido despistá-la.

          — Que droga Liam — reclamou Howe. 

          — A senhorita está perdida? — Eliza ouviu alguém perguntar atrás de si. 

        Ao se virar ela viu um homem alto, ele aparentava ser apenas três anos mais velho do que ela, seus cabelos eram tão escuros como a noite, já seus olhos eram azuis, tão profundos como o oceano. O homem usava vestes longas em tons de preto e prata, ele exalava uma sensação de poder e mistério que Eliza não conseguia compreender. 

        A garota olhou para o chão por um segundo, reconhecendo sua sombra no chão e percebendo que aquele homem era o dono da sombra que lhe seguia desde de que ela era criança. 

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