Meus olhos se abrem vagarosamente em um novo despertar, me trazendo de volta de maneira abrupta de minha jornada pelo onírico. Minha respiração descompassada me joga de volta para aquele lugar confuso, para todos os milhares de pensamentos e vivências da madrugada fria; e meu corpo estremece por um segundo ou dois. Um longo inspirar que preenche meus pulmões com a calmaria me permite afastar um pouco isso de mim e o exalar me tira a dor das incertezas.
Me encontro a centímetros do teto e o toco, sinto meus dedos deslizando pela superfície como um ritual, de maneira tão metódica e ritmada. Desenho seu contorno, desenho a lembrança de você e visualizo-te mais uma vez diante de meus olhos. Não é como se você não estivesse sempre ali, ao meu lado, na minha frente, dentro de mim. Você passeia livremente em minha mente, em minha alma e em meu coração.
Sento-me e olho para longe, para um lugar tão distante que poucos conseguem enxergá-lo. Desço calmamente de meu lugar de descanso e meus pés entram em contato com o gélido chão, me causando um leve choque, pois toda minha constituição está em uma eterna brasa. Queimo todos os dias, incessantemente, na expectativa que meu calor te encontre e te envolva, te proteja.
Ao me acostumar com a diferença notável de temperatura, bailo por entre o ser e o sentir, o existir e o persistir. Vagueio por lugares tortuosos em minha mente enquanto meu físico realiza simples ações cotidianas de forma automática, programadas e executadas. Em meu peito há o anseio, a euforia da possibilidade de ter um pouco de ti, mesmo que ainda seja tão distante.
Meu desejo para que o tempo passe me deixa alheia ao que está ao meu redor, ao que permaneço a fazer, e quando me dou conta já estou a sentir a água escorrendo sobre minha pele desnuda. Me deixo banhar nesse mar de devaneios outra vez, sentindo cada gota que entra em contato com minha epiderme, almejando que cada um dos meus caprichos fosse concedido. Porém a água leva embora um pouco da minha esperança, me incitando de volta a minha realidade e a certeza de que eles jamais serão concretizados.
O óleo que desliza sobre mim com a fragrância de frutas me faz pensar no fruto que me é proibido. Sinto teu aroma, mesmo que seja uma alucinação, te respiro profundamente, sanando meu vício em poder ter um pouco de você se infiltrando para dentro de mim. Me hidrato não somente externamente, mas internamente através dessa inundação que é você.
Giro de um lado para o outro a fim de ser capaz de decidir, mas dessa vez não é sobre você e sim sobre como deveria me vestir. Vasculho incansavelmente na vastidão do amontoado de roupas aquilo que seja capaz de transmitir como me sinto por dentro, como gostaria que os outros me enxergassem. Espero que minha imagem seja capaz de transparecer um pouco de mim, um pouco daquilo que eu sou, apesar de saber que isso é uma parte tão pequena se comparado ao universo inteiro que habita em mim.
Me apresso para deleitar-me com uma breve refeição, tentando obter um pouco de prazer em meio a tanta confusão. É um momento de desligar do resto e focar somente no quão saboroso cada uma dessas texturas e sabores pode ser, ainda que lá no fundo o que gostaria de fazer era estar desbravando essas coisas no que diz respeito a você.
Partindo rumo ao meu destino de todos os dias, embarco nessa condução que me dirige para mais perto de você, diminuindo a distância espacial que há entre nós. Minha visão é preenchida pela bahia e me questiono se a imensidão dessas águas seria capaz de ser comparada a tudo que sinto por ti. Mergulho em uma sensação de paz e acalento, esquecendo do mundo ao meu redor, agora só há o sacolejar que me nina suavemente e os raios de sol que esquentam meu corpo exposto. Esse tem sido meu aconchego diário já que em seus braços não é possível morar.
Em um tempo que se arrasta sem que eu realmente o sinta, vou me aproximando desse lugar, dessa atmosfera que me remete a ti. Cada lugar em que me encontro nesse caminho me faz reviver momentos junto a você, me faz sentir outra vez, te gravando cada vez mais profundamente em toda minha constituição. Meus pés que guiam até a mureta onde encontro o descanso que tanto preciso; mureta essa que presenciou muito da minha história. Somos quase confidentes, ela me viu sorrir e chorar, esteve sempre ali junto a mim enquanto sabia que quem eu aguardava era você. Ela me ouviu diversas vezes expressando como me sentia, tanto das vezes positivas quanto das negativas. Ela sabe mais sobre nós do que qualquer outro poderia saber.
E é nesse lugar que me perco a te encontrar, todos os dias. Aguardo sempre por você, envolta em muitos pensamentos, sentimentos, sensações e emoções. Porém tudo se dissipa quando vejo você caminhar em minha direção, quando você me preenche de alegria apenas pela sua presença, apenas por abrir o mínimo de um sorriso que seja para mim. Você me dá a energia que almejo para conseguir enfrentar mais um pouco disso tudo, para conseguir entrar em mais uma aula e lidar muitas vezes com o desconforto. Fico contigo até o último segundo possível antes de partir para minhas obrigações, desfruto de cada milésimo que tenho a te ter junto a mim, mesmo que ainda haja uma grande distância entre nós.
