Todo molhado, ele surgiu correndo pela portaria e atravessou a porta do lobby. Subia ávido o primeiro lance de escadas do prédio que tinha quatro andares. Apenas os feixes de luz da iluminação externa transpassavam os vidros laterais, denunciando sua silhueta enquanto corria escada acima. O som dos passos apressados de Sebastian, junto ao implacável som da chuva forte, era a trilha sonora perfeita para a ansiedade que tinha no peito. Assim que chegou ao andar onde morava, abriu a porta do apartamento, ofegante, e, instantaneamente, a massa de ar frio invadiu o ambiente, como se preenchesse o vazio. Estava calor dentro do apartamento, e a chuva havia começado há poucos minutos, perto das 20h30.A televisão não estava ligada, nem mesmo as luzes estavam acesas. Não havia ninguém em casa. Não havia, absolutamente, nada de diferente ali ou fora do lugar. Ele olhou para o lance de escadas sombrio e vazio e, antes de entrar, levou a mão direita sobre o rosto e chorou sem pressa. Não chorou pelo que viu ou pelo que não viu, chorou por não ter respostas, de novo.
Quem vai contar o caso de amor incompreendido de Sebastian? Ele parecia estar dentro de uma alucinação. Acho até que o seu caso o fazia sentir-se como o filho pequeno de um caseiro que pensa ter parte de tudo aquilo que vê, mas, no fim, é só o desfrute momentâneo e limitado de meros prestadores de serviço que moram, a trabalho, na casinha afastada e discreta do grande casarão. Mas ele buscava outras respostas, diferentes das que ele já tinha. Por que ele estava no meio disso? E o que, realmente, ele queria fazer diante dos princípios cristãos que acreditava?Ele entrou, fechou a porta e, ao tirar os sapatos e as roupas ensopadas, deixou tudo na lavanderia e acendeu apenas a luz do corredor, antes de entrar no banheiro.
No chuveiro, com todas as outras luzes apagadas, ele sentia solidão. Depois de alguns minutos, ainda não eram 21h00, ele saiu do banho e, enquanto se enxugava, com a luz do banheiro ainda apagada e a porta entreaberta, percebeu que a luz da sala tinha sido acesa. No susto, ele se abaixou e se escondeu atrás da porta. Era sua esposa, feliz da vida. Chegou falando no telefone. Ele esperou por um instante, ainda a observando de longe. Ela parecia estranha. Enquanto ela falava e tirava suas roupas úmidas, ele correu para o quarto e se trocou rápido, enquanto ela ainda andava pela cozinha e pela sala. Um pouco depois, entrou, finalmente, no banheiro para se lavar.
Ele se deitou e esperou, paciente, no escuro. Quando sua esposa entrou no quarto, ele fingiu que dormia. Depois de algum tempo entre o celular e os cosméticos noturnos, deitou-se e logo pegou no sono. Ele não. Esperou o sono dela estar mais profundo, arquitetando pegar o seu celular por um instante. Ele parecia precisar de respostas; afinal, não fingiu que dormia por uma hora e meia em vão. De toda forma, a confusão de seus sentimentos não o permitia dormir cedo há muitos dias. Mesmo assim, ele não bisbilhotou. O sono pesou e ele adormeceu também, perdendo a oportunidade. Parece-me que, sem dúvidas, ele acordaria indignado no dia seguinte.
Quando ele abriu os olhos e se deu conta de que já era de manhã, e que havia perdido sua chance de bisbilhotar, ele olhou para o lado e viu o celular dela sobre a cômoda. Mas, claro, a cama estava vazia do lado da esposa. Ela, porém, logo apareceu na porta do quarto com um doce "Bom dia, meu amor!", lhe trazendo o café na cama. E, como provavelmente qualquer um, ele gostava disso. Tomou seu café, se aprontou e saiu para o trabalho. Tomou o ônibus, depois o trem e, depois, caminhou a pé, o tempo todo matutando, confuso com o tamanho do que deduzia ser a falsidade de sua mulher.
"Como ela poderia esconder tão bem suas mentiras? E quais são as mentiras que ela poderia estar escondendo?", pensava. Coitada. Ela tinha um déficit de atenção absurdo. Não se sentia bela, era insegura, tinha seus defeitos e muitos pecados interiores. E, para ele, era muita informação para organizar e corresponder. Era duro. Ela cuidava da casa enquanto ele trabalhava fora. E, todos os dias, ele se perguntava o porquê dela ter tanta energia para qualquer coisa, mas não tinha a mesma empolgação para fazer algo para ele. Sentia-se apenas um mero pagador de contas, enquanto sua mulher vivia uma vida totalmente paralela a dele. Sentia-se só, um estranho dentro da própria casa. Trocaria qualquer trabalho da esposa por uma conexão mais profunda com ela.
A mulher não se sentia amada por ele, e Sebastian não confiava nela. Ambos retinham o que poderiam oferecer um ao outro. Isso não era bom. Mas ela ainda era gentil, embora Sebastian acreditasse que ela levava a vida como se ele fosse morrer muito em breve, deixando-a ficar com os bens enquanto esperava seu verdadeiro amor. Ele tinha certeza de que ela desejava outras coisas, mas, provavelmente, havia se casado porque não tinha outros planos melhores, e sua mãe gostava dessa ideia. Mesmo assim, ela nunca queria dizer nada, nem admitir, porque era uma mulher de poucas palavras. Entretanto, para Sebastian, isso não queria dizer que uma pessoa era boa ou superior por causa desse hábito; há muitos traidores e enganadores que traem e arrasam outras pessoas sem falar sequer uma palavra. De alguma forma particular, algo no comportamento dessa mulher fazia o seu marido desconfiar disso.
Ele estava certo de que ela o enganava, mas não tinha provas concretas disso ainda. Na Bíblia, ele lera muitas coisas a respeito do comportamento e da postura de uma mulher de Deus, mas nunca havia lido algo que orientasse um homem a confiar numa mulher. Claro que, ser confiável, não é uma característica exclusiva do sexo masculino ou feminino, mas, talvez, do caráter de um ser humano. Porém, nesse contexto, é quase impossível haver uma mulher cem por cento satisfeita com um homem, e vice-versa. Mas sua esposa não parecia ter muita satisfação nele, embora fosse muito educada e prestativa. Isso, entre outras coisas, o fazia desconfiar dela.
Esse marido corroborava a ideia de que sua mulher não tinha opiniões que quisesse validar, nem ambições pessoais que, naturalmente, partilhasse. E a sua bagagem intelectual parecia superficial, ou, até mesmo, fundamentada apenas em romances, como os de Nicholas Sparks. Não há nada de errado em ler o que você quiser, mas há algo muito errado em não ler a Palavra de Deus — que é formadora de caráter — e, então, priorizar e fundamentar seu casamento em coisas que pregam o oposto da Bíblia. Definitivamente, não há como confiar numa mulher cristã que é adepta do romantismo. Qualquer mulher que faça do romantismo uma base para o seu casamento, irá arruiná-lo. O romantismo não tem absolutamente nada a ver com as verdades do Evangelho, e pode ser uma ferramenta destrutiva. Não estou dizendo que não se deva ser romântico nunca, mas, sim, que, ideologicamente, esse conteúdo foi fundamentado num contexto histórico como uma ferramenta de entretenimento e manipulação das massas.
Realmente, a maior parte dos precursores mais famosos desse tipo de material foram anarquistas, libertinos, alcoólatras, adúlteros, suicidas e tiveram suas vidas destruídas, tragadas pelas paixões desenfreadas que romantizavam como amor. Do ponto de vista do marido, tudo o que acreditavam e pregavam sobre o amor, a Bíblia ensinava absolutamente diferente e, praticamente, o contrário.
Enfim, o marido estava ficando paranoico por entender que aquela mulher não tinha alicerces bíblicos. Porém, ela não parecia ser assim antes de se casar. Ela até casou-se virgem, embora isso parecesse um troféu que a fazia sentir-se superior às outras moças, que pecaram antes do matrimônio. Acho que, ao invés de uma fundamentação bíblica, que ardia em seu coração, talvez fosse apenas o medo de, publicamente, falarem mal dela, manchando seu status, como se fosse uma competição a respeito da própria imagem. Acho que a motivação devia estar equivocada, mas tudo bem. Ao menos se casou virgem. Mas o marido estava ansioso, porque, naquele momento, a esposa parecia vagarosamente vazia e fria. Como isso poderia funcionar direito? Se aquela mulher sonhava com algo romântico e especial na vida amorosa, sem dúvidas ele nunca esteve em seus planos. Mas pode ser que ela tenha se casado em razão dos planos de sua mãe, e não dos dela mesma. Mas por que ela se casou com ele se ela sonhava colorido? E ele? Por que se casou com ela se esperava outra coisa? O que houve de errado?
Ela tem duas vidas: numa ela é quem ela quer ser, e, na outra, ela tem algumas obrigações contratuais. Isso não é tão ruim; mas os dois deveriam pensar do mesmo modo, estarem de acordo. Acho que ele queria mais dela; acho que ele não era assim tão descartável. E, tudo o que ela queria, ele não era. Esse casal tinha tantas qualidades desperdiçadas quanto queixas internas. Noutro contexto, ele podia ser mais do que uma mulher esperava; e ela, melhor do que algum outro moço sonhou. Mas, juntos, eles não estavam sendo verdadeiros, de fato. Eles viviam mais em seus próprios pensamentos do que na companhia um do outro. Mesmo que ela estivesse satisfeita com o apartamento, e ele com a vida financeira estável, ela sonhava com outra vida; ele era solitário, e ambos tinham um "para sempre" improvável.