Ruído Branco

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POV Emma

Fui designada para a cabana 27, junto com as outras meninas do nosso ônibus classificadas como verde. Éramos catorze no total, mas chegaram mais vinte no dia sucessor. Na semana seguinte, decidiram estabelecer um limite de trinta pessoas por cabana, e as que chegavam depois eram mandadas para a cabana a seguir na trilha principal do acampamento ThunderCloud, constantemente encharcada e pisoteada. Após um tempo, todos os vermelhos e laranjas foram levados embora, Deus sabe-se lá para onde, e as novas levas substituíram seus lugares nas cabanas.

Os beliches foram organizados por ordem alfabética, então, graças a um pouco de sorte, August ficou na cama logo acima da minha - uma grande benção, já que nenhuma das outras crianças chegava aos pés dele; todos haviam passado a primeira noite soluçando ou mudos, num silêncio atordoado. Eu não tinha tempo para lágrimas. Tinha perguntas.

"O que vão fazer com a gente?" - Sussurrei -

Ficamos na ponta da cabana, num beliche bem no canto. A estrutura tinha sido montada com tanta pressa que as paredes não eram bem seladas, e de vez em quando um floco de neve ou uma corrente de vento gelado entrava assoviando; lá fora, apenas silêncio.

"Sei lá. - Respondeu ele, baixinho -

Uma menina finalmente pegou no sono, a algumas camas de distância, e seus roncos suaves ajudavam a abafar a conversa. O soldado F.E.P que nos escoltou até nossa nova residência deu vários avisos: Era proibido conversar depois que as luzes se apagassem, sair ou usar habilidades estranhas, acidentalmente ou não. Era a primeira vez que eu ouvia alguém se referir ao que podíamos fazer como "habilidades estranhas", e não como o termo politicamente correto que a polícia usava: "Sintomas".

"Não importa, entendeu? Está tudo bem! - Afirmou August, mas claramente não estava nem nunca estaria - Vamos ficar juntos. E, quando sairmos daqui, poderemos ir para onde quisermos, sem ninguém para nos impedir".

Minha mãe dizia que, às vezes, bastava dizer algo em voz alta para que se tornasse verdade. Eu tinha minhas dúvidas, mas Gust falou com tanta convicção, com uma chama ardendo por trás de cada palavra, que passei a reconsiderar. De repente, me pareceu possível que as coisas dessem certo; que, mesmo que nunca conseguisse voltar para casa, tudo acabaria bem se eu ficasse com ele. Era como se August abrisse o caminho para mim por onde passasse, e bastava seguir seus passos para longe dos soldados, evitando chamar atenção.

Funcionou por seis anos.

Seis anos parecem uma vida inteira quando os dias não têm começo nem fim e, o mundo se limita a três quilômetros de lama e edifícios decadentes rodeados por uma cerca elétrica. Nunca fui feliz em ThunderCloud, mas Gust estava lá, então era suportável. Ele adorava irritar os soldados, contando-lhes mentiras sobre algum supervisor estressado estar chamando e depois fazendo careta pelas costas deles; coisa que lhe rendeu o apelido de Pinóquio. Teríamos ficado por lá, se um Ruído Branco de frequência especial não tivesse me derrubado.

Quando o Ruído Branco começou, estávamos arrancando ervas daninhas na horta.

Eu não conseguia me acostumar com aquele barulho, não importava se estivesse lá fora, comendo no refeitório ou trancada na cabana. Quando começavam, os guinchos agudos explodiam como uma bomba caseira nos meus ouvidos. Os outros adolescentes se recuperavam depressa: Se livravam da náusea e da desorientação com a mesma facilidade com que limpavam a grama do uniforme. Mas eu levava horas para me recompor. E aquela vez não deveria ter sido diferente. Mas foi.

Não vi o que provocou a punição, mas estávamos trabalhando tão perto da cerca elétrica que podia sentir o cheiro de queimado, e meus dentes vibrando com a tensão da voltagem. Talvez alguém tivesse criado coragem para cruzar os limites da horta. Ou talvez para realizar nosso maior sonho: Atirar uma pedra na cabeça do soldado F.E.P mais próximo. E teria valido a pena.

Mentes Sombrias - Swanqueen.Onde histórias criam vida. Descubra agora