Parte 01.

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A mão direita do guerreiro tremia, enquanto ele erguia o lampião. O ar frio da estrada fazia suas juntas doerem, e a lua se escondia em meio a nuvens carregadas que cobriam o céu, aumentando ainda mais o breu do lugar.

Choveria a qualquer instante, ele sabia, precisava apertar o passo até chegar na aldeia, antes que a chuva o apanhe, e foi o que fez. Seguiu o mais apresado que pôde, mas sempre prestando atenção no passo arrastado que ecoava atrás dele.

"Se pretende continuar me seguindo, é melhor que se apresse. A chuva cairá logo, e não vou esperar por você!", disse num tom elevado, olhando por cima do ombro. Falava para o vulto que o seguia a um metro de distância. Em meio a neblina que se levantava do chão, somado a escuridão da noite, aquilo poderia facilmente ser confundido com um tronco de árvore seco parado em meio à trilha, se não fosse o cambalear lento e um ocasional gemido.

Ele seguiu, mas os passos atrás dele continuaram vagarosos. Nervoso com a demora, resmungou e marchou em direção ao vulto; ergueu bruscamente o lampião, revelando a face esquelética e fossilizada da criatura.

Tal vislumbre, sobre a parca luz alaranjada da chama, teria chocado qualquer pessoa, mas o guerreiro já estava acostumado. "Ei! Apresse-se e ande. Não temos a noite toda!", disse, ao que a criatura respondeu levantando levemente a cabeça, emitindo uma única palavra por sua mandíbula sem língua: "prote...ger?" , veio a pergunta de dentro do crânio.

"Sempre a mesma coisa", pensou o guerreiro, fazia muitos dias que aquele morto-vivo o seguia, e a única coisa que sabia dizer era isso.

"Sim, temos que nos proteger! E para isso não podemos perder tempo numa estrada deserta. Vamos!" Ele seguiu, e a criatura seguiu também. "Porquê, afinal essa coisa me persegue?!", pensava. A coisa, que era mais que um monte de ossos velhos revestido por trapos, apareceu pouco depois que saiu das antigas terras de sua família, sem hostilidade, ou mesmo uma razão sequer, apenas dizendo uma palavra: proteger. Pensava se tratar de alguma cria desgarrada de algum necromante, mas ela parecia responder as suas ações e o seguia como um escudeiro. Pensava então se por acaso não seria uma maldição imposta sobre ele. "Seja como for...", pensava, "seria mais uma com a qual teria que lidar.

A caminhada continuou por mais algum tempo, até que uma flecha voou pela escuridão, acertando o morto-vivo que caiu estirado no chão. De pontos escuros e moitas fora da trilha, três batedores surgiram, um portava uma besta e os outros dois espadas. "Se não quiser acabar como seu companheiro, infeliz, nos dê seu ouro, ou qualquer coisa de valor que carregue. Agora!", disse o besteiro, enquanto os outros se aproximavam.

Eles estavam clara vantagem, mas o guerreiro era experiente. Uma adaga ágil e repentina foi o suficiente para lidar com o arqueiro, um bloqueio em arco com a espada, seguido de uma apunhalada seca no ventre deu cabo do segundo, porém o terceiro era um brutamonte, e se mostrou um desafio.

Após abater o primeiro espadachim, o segundo o derrubou pelas costas e, após deixá-lo de joelhos, prendeu-o com toda a força, e estava prestes a cortar sua garganta. Então, da névoa atrás deles a criatura, da qual os meliantes não haviam se atentado à sua verdadeira natureza, ergueu-se num urro, e antes que o bandido pudesse reagir, uma mão esquelética o trespassou pelas costas, e ele tombou com uma expressão de espanto e assombro marcada em seu rosto.

A criatura apenas ficou parada após o ato de assassinato, encarou o guerreiro com suas órbitas sem olhos, e o som saiu quase que com um tom afetuoso: "prote...ger..."

O guerreiro ergueu-se, aborrecido e cheio ingratidão. Olhou para a criatura e pensou se poderia lidar com esta maldição.

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