"I'm the perfect all-american bitch"
Salem, Massachusetts
31 de outubro de 2021
HalloweenO halloween era a época do ano em que Salem brilhava e é também a minha época favorita! Em que outro momento eu poderia me vestir com o meu vestido mais curto e aterrorizar crianças sem ser considerada uma vadia ou uma psicopata?
Mesmo com as folhas mortas e alaranjadas sob meus pés e abarrotando a entrada de nossas casas, a fria e decadente Salem se iluminava com as ruas decoradas com abóboras e todo tipo de monstro enorme de plástico, além dos inúmeros festivais e feiras... Não é como se eu deixasse de odiar esse lugar que parece sempre tingido em tons de verde, cinza ou preto, mas arrumadinho é tão mais fácil de aguentar!
O vento entrava pelas janelas do meu quarto enquanto eu tentava fazer meus cabelos ficarem bonitos debaixo da faixa preta que dividia as duas mechas da frente do resto dele.
O vestido que estava usando chegava até meus joelhos e era feito de um tecido que lembrava seda, de cor azul escuro, eu o adorava porque comprei na minha última viagem para o Brasil e ele era curto mas leve o suficiente para que não me deixasse desconfortável, minhas botas pretas de couro chegavam até um pouco acima dos tornozelos, peguei minha jaqueta de couro sintético, porque eu sabia que ia sentir frio hoje, o único clima possível para Salem seja no inverno ou no verão, peguei também minha mochila e sai do quarto.
Mamãe, meu pai e minha irmã mais velha, Dakota, estavam na sala de jantar, conseguia ouvi-los da sala, conversavam animadamente sobre algo que não conseguia decifrar. A voz de Jeffrey, o noivo de minha irmã, também era possível de ouvir, mas não é como se ele, de fato, fosse importante. Pessoas andavam para a cima e para baixo em nossa sala, A Feira Anual de Halloween tornava tudo uma loucura. O evento normalmente acontecia às 20h da noite do Dia das Bruxas, meu pai é o prefeito da cidade, então, nossa família fica a cargo de decidir boa parte dos preparativos junto com o comitê da cidade e é sempre um caos.
Ando até o cômodo, ouvindo o barulho de meus próprios passos e da risada contida de minha mãe. O ruído metálico dos talheres sob os pratos formava uma melodia imperceptível para eles. Os olhos de Seung, meu pai, chegam mais rápido em mim do que os das outras pessoas na mesa.
— Bom dia... — cumprimento, com uma voz melódica, sorrindo e andando até a mesa. Busco sentar ao lado de minha mãe, evitando Dakota e Jeffrey, que, por acaso, também é meu professor de literatura em Salem High School.
— Bom dia, filha! — minha mãe, Susane, sorri. Ela tinha uma postura naturalmente ereta e estava mastigando com sua já conhecida elegância. Minha mãe estava sempre elegante, mas nunca rígida; ela é serena, mas não parecia frígida, é tão fácil idolatra-la.
— É ótimo que esteja aqui, querida. Estávamos justamente falando sobre você! — papai avisa, cauteloso.
Ah, lá vem...
Pelo que conheço deles, provavelmente estavam me criticando, é só o que eles fazem, afinal, especialmente com Dakota e Jeffrey na mesa. Minha irmã e eu nunca fomos as melhores amigas, Dakota parecia me odiar, sempre com suas respostas atravessadas e rejeição perversa desde nossa infância, mesmo isso sendo limitado a momentos entre nós duas, eu sou adotada, acho que, para Dakota, isso significa que sou apenas uma intrusa loira e americana demais para sua família coreana perfeita.
— Bom, não existe conversa entre vocês em que eu não seja citada... Mas, fiquei curiosa, sobre o que exatamente vocês estavam falando?
— Sobre você não criar problema na Feira! — Dakota explica, com um tom de superioridade que odiava. Um de seus braços estava enroscado com o de Jeffrey. Dakota era linda, eu não tenho problema em admitir isso, seus cabelos pretos e longos estavam presos num rabo de cavalo e sua franja estava dividida no meio, fazendo uma bela silhueta em seu rosto que estava maquiado apenas por um blush leve, delineador gatinho e batom vermelho. Ela usava uma blusa de botão preta e um terninho vermelho vinho, suas roupas sempre acabavam envelhecendo-a: no auge de seus 22 anos ela se vestia como nossa mãe, mas não conseguia replicar a mesma serenidade e delicadeza.
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AMBER ALERT: Um Conto de Halloween
Short StoryDurante o Halloween de 2021, Amber se vê presa entre as altas expectativas de sua família e a necessidade de manter a fachada diante das palavras cortantes de seu pai, o prefeito de Salem. As coisas tomam proporções maiores na Feira Anual de Hallowe...