Paulo seria aquele que contaria para toda uma geração de pessoas um fato tão absurdo que conseguiu meses de importância nas telinhas e nas redes.
Paulo tinha sido a pessoa que descobrira O Mímico. Aquela figura deprimente sentada na Praça do Parquinho, abraçada nas próprias pernas, uma delas ensopadas de sangue, seu rosto colado contra os joelhos. Dois caminhos marcados na maquiagem branca e preta do seu rosto, o trio por onde as lágrimas tinham escorrido dos seus olhos para as laterais do rosto, passando por cima do nariz na direção a qual seu rosto se inclinava.
O homem tinha saído para passear com sua cadela quando avistara O Mímico. Ainda chuviscava, era pouco, mas o suficiente para que as roupas de Paulo grudassem no corpo. Aquele homem parado lá, vestido com roupas de palhaço francês, no entanto, parecia completamente seco. Ao se aproximar chamou pelo homem, não tendo resposta tentou encostar em seu ombro para lhe chamar a atenção. Tamanha foi sua surpresa quando foi barrado por algo sólido, que mais tarde, depois de algumas investidas ele percebeu se tratar de um quadrado. Era liso e frio. Como vidro.
Na parte que ele considerou que fosse a frente, pois era onde fica o rosto do Mímico, ele esbarrou em uma pequena elevação, como uma pequena fechadura. Exceto por isso, a caixa era perfeitamente lisa e reta. Paulo notou um pequeno objeto branco, sendo parcialmente pisado pela bota do homem, lembrava vagamente uma chave de papel. Deveria estar acontecendo algum efeito, causado pela luz e sombra do ambiente, pois Paulo poderia jurar que os pés do homem não alcançavam o chão.
Depois de alguns minutos tentando se convencer de estar bem sóbrio e acordado, ele ligou para os bombeiros, tentando não soar como louco. Ele deve ter usado as palavras certas porque eles apareceram.
A comoção a partir daí foi impossível de conter.
Veio a polícia. Veio os curiosos. Veio a imprensa. Veio o governo.
Ninguém sabia explicar.
No começo a comoção era ainda maior, afinal aquele homem preso ali dentro respirava, piscava, fazia movimentos com a boca, que jamais emitia um som. Havia um desespero enorme nos seus olhos. Nas suas arfadas, de quem respirava um ar rarefeito. Seus lábios estavam craquelados devido a falta de água. Seus olhos fundos, contornados pela tintura branca e preta, típica de mímicos. Feridas se formavam em suas bochechas e testas, que por vezes eram acometidas por furiosos espasmos, como se ele tivesse tentando as coçar sem as mãos.
Em baixo do seu corpo se formava uma poça de sangue e mijo, que em um momento ele já não pode mais conter.
E mesmo ali preso, sem poder ingerir um único gole de água, ninguém poderia dizer que o viu sem que ele estivesse chorando, até mesmo nos momentos em que caía no sono, lágrimas rolavam pelo seu rosto ferido.
Três dias depois, quando ele morreu, tinha uma multidão para assistir, atrás das faixas de “não ultrapasse” e pelas lives no instagram. Um dia antes disso, uma mulher em desespero, tinha tentado invadir o local, que agora era uma cena de crime, gritando que ela tinha o direito, que ele não era um maldito animal. O Mímico reagiu movendo os lábios debilmente. Não posso afirmar com certeza o que ele tentou dizer, mas fez a mulher cair de joelhos, sendo arrastada dali por dois seguranças, sem apresentar nenhuma resistência.
Nenhuma tentativa de remover a caixa invisível que o cercava foi bem sucedida. Nenhum material foi capaz de a perfurar, a cortar ou sequer causar um pequeno arranhão. Ela era impossivelmente invisível. Tintas sumiram quando entraram em contato com ela.
Nada a tornou menos invisível.
Nada a tornou menos impenetrável.
Estudos foram feitos.
Nada foi concluído.
Pessoas pagavam uma nota para ver o pobre Mímico.
A mãe da Ana Júlia e do João Victor contou que viu aquele homem no dia em que ele ficou preso naquela caixa. Nem todas as pessoas acreditaram nela. Afinal ninguém sabia de algum circo que tivesse passado pela cidade nos últimos dias.
O Mímico apodrecia lentamente dentro da caixa. Não havia bactérias, além das que ele já carregava consigo, tampouco havia larvas para tornar aquele processo mais rápido e nojento. Levou o dobro de tempo para se decompor.
O Mímico já não passa de um esqueleto vestido em roupas preto e branco deterioradas dentro de uma caixa impossivelmente invisível. Um pedaço de papel, sujo em sangue seco estava preso aos ossos de sua mão. Por algum motivo ele continuava intacto e não apresentava nenhum sinal de deterioração. Assim como um pequeno papel, amassado em uma forma disforme que lembrava vagamente uma chave. Não se sabia porque eles não apodreceram junto com todo o resto, isso era só mais um dos detalhes bizarros desse mistério.
Para aqueles que têm curiosidade, o Mímico está em constante exposição no Museu O Mímico, que foi construído a sua volta, uma vez que não podiam retirar aquela caixa do lugar e tentar cavar embaixo dela só a tornou uma caixa impossivelmente invisível e flutuante, um artifício agora usado para aumentar o impacto da visão daqueles ossos com uma história tão bizarra por trás.
Nem ao menos sabiam o nome do homem por trás do Mímico, ninguém apareceu para reclamar o corpo. E mesmo que o fizessem, como poderiam? O que fariam? Ele estava condenado a permanecer ali para sempre.
Apenas ele e sua caixa.
Ele em seu abraço eterno.
Uma tradução perfeita de medo.
Foi considerado uma obra de arte.
Uma performance que prometia ser eterna.
Nomeada apenas de: O Mímico.
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O Mímico
Short StoryFlávio era mimico. Não por vocação, não porque era seu sonho, apenas porque lhe ofereceram o emprego e ele precisava do dinheiro. Ele não era especialmente bom nisso, mas sabia o suficiente para trabalhar distribuindo panfletos do Circo Somnium por...