Um beijo

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O vestido encharcado chocando-se com o vento se transformou em um manto de gelo. Ao voltar para dentro do castelo, a princesa preparou ela mesma um banho quente. Não gostava de mandar as criadas fazerem tal coisa como seus pais faziam; a princesa sabia muito bem  esquentar água e escolher o sabão mais cheiroso.

Após tomar banho e vestir o vestido mais pomposo de seu guarda-roupa, a princesa ficou deitada na cama encarando o teto abobado de seu quarto pensando em formas de explicar ao seu pai que a lhama havia morrido por causa dela. Esse assunto com certeza seria mais difícil de se ter com o rei do que falar sobre a feiticeira que queria matá-la.

Ficou horas pensando e pensando que acabou dormindo. Acordou durante à tarde; alguém batia na porta do quarto. Mas era uma batida muito estranha, parecia mais chutes.

A princesa abriu a porta e sua bola dourada entrou rolando pelo quarto até parar debaixo da cama. Quem a havia chutado acabara de cuspir no chão.

一 Não é possível! 一 A princesa olhou incrédula para Tabi. 一 Você não pode ter pego a bola.

一 Eu peguei sim. Eu disse que pegaria 一  A lhama respondeu. 一 E me agradeça, por favor. Foi muito difícil rolar essa bola da floresta até aqui. Eu não tenho polegares como você.

一 Como você saiu vivo da floresta? Nenhum bicho volta de lá.

一 É. Nenhum bicho sai vivo de lá.

A princesa franziu a testa.

一 Por acaso você não é um bicho?

Tabi chacoalhou a cabeça e riu. A risada o fez cuspir mais duas vezes. O primeiro cuspe foi para o chão e o segundo, atingiu a barriga da princesa.

一 Desculpa. Eu não controlo...

一 É, eu já sei. Estou feliz que esteja vivo. Meu pai ficaria arrasado se você morresse.

一 Oh, está mesmo feliz com isso, vossa alteza? Não pensei que estivesse tão contente de beijar um "cuspidor nojento" como eu.

一 Do que está falando?

一 Esqueceu da nossa aposta? Eu cumpri a minha parte. Agora falta a sua. 一 A lhama fez um biquinho; a princesa fechou a porta na cara dele. 一 Não adianta fugir disso, vossa alteza. Você me dará esse beijo querendo ou não!

一 Vá embora, lhama maluca!

一 Você me deve um beijo e eu vou cobrar.

+++

Mais tarde, a princesa saiu do quarto para jantar.

Quase teve um piripaque ao ver Tabi à mesa. Estava ao lado do rei que parecia contente pela presença da lhama. E tamanha felicidade desgradava a rainha, que era totalmente contra animais comendo no mesmo lugar que os humanos. E pelo jeito que a rainha moveu a cadeira para ficar o mais longe possível da lhama, certamente Tabi já havia cuspido na cara dela. Mesmo com o perigo de ser o próximo alvo, a princesa se sentou na cadeira de frente para a lhama.

一 Isso é novidade 一 disse ela ao pai. 一 O que Tabi está fazendo aqui?

一 Eu o convidei para jantar conosco para poder me falar um pouco mais sobre o príncipe do Reino do Sul. Tabi estava me dizendo que é um grande amigo dele. Não é mesmo?

一 Eu sou o único amigo do príncipe 一 respondeu Tabi. 一 Ele está tão triste com o feitiço. Fica trancado naquele quarto, as criadas precisam levar a comida para ele... É horrível. Por isso saí do Reino do Sul e vim para cá. Preciso encontrar um anti-feitiço.

A princesa ergueu uma sobrancelha. Por que Tabi tinha tanto medo de contar a verdade ao rei? Se o rei soubesse a verdade logo, poderia fazer de tudo para manter a princesa segura. Até mesmo pedir proteção de alguma fada, que às vezes apareciam no reinos para cuidar da natureza e fazer picuinhas. E fadas eram as únicas coisas com que os feiticeiros não se metiam, pois agredir uma fada causa morte instantânea ao agressor.

A Princesa e a LhamaOnde histórias criam vida. Descubra agora