Ao Oeste e o retorno ao Norte

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Eles levaram três meses para chegar ao Reino do Oeste, que era um lugar árido. Tiveram que atravessar uma floresta de cactos e desvencilhar de um bode chifrudo para finalmente conseguirem bater no portão do castelo.

O próprio rei os recebeu, mas não os reconheceu. Jeonha ainda estava com a cara suja de lama, pois durante a viagem toda não tomou um banho sequer, para falar a verdade, ela não tomava um desde que saiu do Leste; isso com certeza era nojento, mas Tabi estava muito pior e muito feliz, então ela achava injusto reclamar.

一 O que o Seu Francisco pode fazer por vocês?

O rei sempre falava de si mesmo na terceira pessoa. Era um homem magro e baixinho, tinha um bigode abaixo do nariz que parecia um gatinho peludo que resolveu dormir onde não podia. Não era feio mas também não era lá grande coisa. Então Jeonha não se sentiu tão mal. O príncipe com certeza também não era.

一 Viemos conhecer o príncipe Alcides 一 respondeu Tabi. 一 Onde ele está?

一 Ah... 一 Seu Francisco suspirou, coçando a cabeça. 一 Menino, você nem imagina o que aconteceu com o Alcidizinho! Veio uma rapariga aqui querendo se casar com ele, mas Alcides não gosta de raparigas, aí ela ficou furiosa e o transformou num bode!

一 Então aquele bode raivoso lá fora é o Alcides? 一 perguntou Jeonha. O rei assentiu. 一 E como era essa moça que...

一 Era uma morena bonita, sô. Estatura média, um cabelo longo que chegava até a ponta dos pés... Quando ela chegou aqui estava descalça, seu Francisco viu um carrapato peludo chupando o dedão da mulher. Seu Francisco tentou matar, mas aí ela falou que aquilo era uma verruga.

一 Kaira? 一 resmungou Tabi, franzindo o rosto. 一 Mas... Quando foi que isso aconteceu, majestade?

一 Tem uns 4 meses, menino. Parece que a rapariga veio do Reino do Sul. Ninguém desconfiou que ela era uma feiticeira. Raramente feiticeiros vem para cá.

Jeonha, curiosa, perguntou ao rei se a feiticeira chegou a dizer como desfazer a maldição que jogou em Alcides.

一 Um beijo de uma princesa 一 respondeu o rei, não muito feliz. 一 Alcidizinho vai ficar assim para sempre porque ele também não gosta de princesas. Se fosse um príncipe, aí estaria tudo bem.

一 É uma pena 一 disse Jeonha. 一 A princesa do Leste poderia quebrar o feitiço.

一 Espera 一 disse Tabi. 一 Nem para desfazer o feitiço o Alcides toparia beijar a princesa? Aconteceu a mesma coisa com o príncipe do Sul, e mesmo não desejando a princesa, ele a beijou porque queria muito voltar a ser humano.

Seu Francisco balançou a cabeça.

一 Alcides é teimoso feito uma mula. Diz que prefere a morte a beijar qualquer um que tenha seios.

Tabi e Jeonha se entreolharam. Estavam vendo se pensavam a mesma coisa, e estavam, no entanto jamais poderiam ver isso.

一 Jeonha 一 disse Tabi 一, temos que voltar para o Norte.

E eles fizeram todo o caminho de volta para o Norte. A essa altura, a princesa estava com um hálito capaz de derrubar uma mosca, caso esta voasse próximo a boca da princesa. Tabi se preocupou com isso, mas antes de oferecer folhas de hortelã para Jeonha mastigar, teve uma ideia extraordinária.

一 Você será a minha arma 一 disse ele a princesa, que quase abriu a boca para falar. 一 Não, não fale nada! Não abra essa boca de jeito nenhum! Se Kaira ainda for uma ameaça, vamos usar o seu hálito para acabar com ela. Entendeu? Não abra a boca para falar, Jeonha. Use gestos.

Jeonha fez sim com a cabeça. E só abria a boca para comer e beber água.

De volta ao castelo do Norte, Tabi invadiu o churrasco Real e procurou por Benzo.

Encontrar alguém como Benzo no meio de outras pessoas peludas e carecas era a mesma coisa que procurar uma palha no meio de um palheiro. Somente uma águia poderia distingui-lo entre os outros. Ainda bem que havia uma enfiando o bico num copo de cerveja.

一 Oi, tudo bem? 一 disse Tabi a ave. 一 Pode me ajudar a encontrar o príncipe?

A águia terminou de beber a cerveja e pediu mais uma dose para o garçom que passava por perto.

一 Benzo tá dentro do castelo 一 disse a Tabi. 一 Pendurado na janela do quarto, chorando.

Jeonha queria perguntar por que, e fez gestos para a ave, que achou que ela estava querendo um pouco da cerveja.

一 Tira o olho do meu copo, moça. Vai pegar o seu.

A princesa bateu na própria testa e olhou furiosa para Tabi, que deu de ombros.

一 O que eu posso fazer? Ele tem razão. Se você quer beber, vá ao bar.

Jeonha começou a resmungar. Virou a cara para Tabi e a Águia e caminhou para dentro do castelo. Tabi a seguiu.

Os dois perambularam pelo castelo até finalmente encontrarem o suposto quarto de Benzo, pois nesse havia na parede uma pintura a óleo retratando cada detalhe do príncipe do Norte.

Jeonha teve outra ânsia de vômito.

一 Dizem que prenderam o pintor que fez isso. 一 Tabi também olhou horrorizado para a tela. 一 E foi o próprio pintor que se entregou para a polícia. Coitado, ninguém merece isso.

一 Cadeia é mesmo um lugar horrível.

一 Não tô falando da cadeia. 一 Tabi olhou para Jeonha, que continuava de boca fechada desde que ele pediu. 一 Quem falou...?

一 Fui eu. 一 A voz vinha da janela. Pertencia a um urubu. Ele olhou para a pintura. 一 O pintor quis cortar as próprias mãos quando pediram para me desenhar. Eu devia ter percebido desde o começo o que isso significava, mas preferi acreditar no que a minha mãe dizia.

一 E o que ela dizia?

一 Que aos olhos dela eu era o homem mais lindo do mundo.

一 Pelos olhos dela você realmente é 一 confirmou Tabi. 一 Pelos olhos dela somente.

O urubu voltou o olhar para fora.

一 O que querem? Eu avisei que não queria falar com ninguém.

一 A Kaira te transformou nisso, não é? 一 perguntou Tabi. 一 Ela fez a mesma coisa com o príncipe do Sul e do Oeste.

一 E fará o mesmo com a princesa do Leste 一 disse Benzo. 一 Não poderemos voltar ao normal, pois o anti-feitiço que precisamos é um beijo da princesa.

Tabi olhou para Jeonha, que fez não com a cabeça loucamente. Não, não, não. Não vou beijar ele!

一 Mas você está mesmo triste com isso? 一 perguntou Tabi a Benzo. 一 Você está muito melhor agora. Acredite em mim.

一 Você acha mesmo? 一 perguntou Benzo.

一 Tenho certeza. Você não é aqueles urubus carecas que fuçam carniça. Você é um urubu-rei. Qualquer um vai querer ter você em casa.

一 É mesmo? 一 Benzo se animava.

一 Sim, para por na gaiola.

Jeonha deu uma cotovelada em Tabi, que deu de ombros.

一 A verdade dói mas liberta 一 disse ele.

一 Já terminaram? 一 perguntou Benzo. 一 Deem o fora daqui. Quero ficar sozinho.

Tabi e Jeonha saíram o mais rápido possível do castelo. Ainda sem poder falar, Jeonha fez mais gestos a Tabi, tentando perguntar o que eles fariam agora.

一 Olha, eu não sei mesmo o que você quer 一 disse Tabi. 一 E seja o que for, não importa. O que precisamos fazer agora é voltar para o Leste e destruir a Kaira. Depois você diz o que quer.

Jeonha revirou os olhos.

A Princesa e a LhamaOnde histórias criam vida. Descubra agora