Morte.

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Minha primeira morte foi a do meu pai. Kenji Shinkai. Shinkai. "Shin" significa novo e "kai" significa "oceano". Meu pai era um biólogo marinho japonês, que saiu do Japão pra estudar a reprodução de Baleias Jubartes brasileiras, com o propósito de pesquisas pra preservar a vida desses animais. Uma tempestade inesperada fez com que o barco em que meu pai estava virasse, os destroços da embarcação foram encontrados trinta dias depois do acidente, entretanto, o corpo do biólogo marinho Kenji Shinkai nunca foi encontrado. Minha segunda morte.
Diferente do meu pai, a minha progenitora, Aurora, nunca foi de demonstrar afeto, na verdade, ela nunca quis ser mãe, era um pesadelo que vivia e que fazia questão de todos os dias me recordar o quando era indesejada por ela. Na morte do meu pai, ela chorou, mas não por ele, mas por ela, agora seria obrigada a cuidar de um fardo do qual ela nunca pediu, e nunca havera planejado, ia cuidar sozinha de uma filha que não amava.
Tive uma terceira morte, a minha. Não morri de verdade, não fiquei gelada e meu corpo não apodreceu, eu continuei viva, mesmo estando morta por dentro. Depois do acidente, desaprendi o significado de amor, de carinho, de afeto, não sei o que é o colo de uma mãe, nunca tive isso, meu pai supria todas as minhas carências e quando ele se foi, só restou o desamor. Passaram seis anos desde da tragédia e a risco a dizer que todos os dias morro um pouquinho, acredito que jamais vou superar, aprendi a lidar com a dor, com a saudade e com a solidão, mas o desejo de ter um lar jamais irá passar, e talvez nunca passe. Encontro meu pai nas pequenas coisas, na praia, nos animais marinhos, na comida japonesa, no nascer do sol, em todas as coisas que ele me descobriu, meu pai era meu melhor amigo.

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Domingo, 4:47 AM, Rio das Ostras, Rio de Janeiro.

— Onde você estava? Tá' chegando agora? — Dona Aurora diz da cozinha, não sei o que diabos essa mulher está fazendo acordada nesse horário, sendo honesta, prefriro não trombar com minha mãe em nenhuma hora do dia, somos duas desconhecidas que moram juntas.
— Estava na praia.
— Uma hora dessa?
— Estava sem sono e saí pra tomar um ar.
Ela não me respondeu. Acendeu um cigarro e foi em direção do próprio quarto, bateu a porta e o abismo entre nós já estava instaurado novamente. Na realidade, ela não se importava a onde eu estava e o que estava fazendo, mas se sentia na obrigação de fazer isso, visto que é natural de toda mãe se preocupar com o filho, ela seguia o roteiro, só era uma péssima atriz.
Meu nome é Mahina Shinkai Castro. Shinkai do meu pai, Castro da minha mãe e Mahina. Mahina é um nome japonês, significa "lua", e de fato, sou apaixonada pela lua, me vejo na lua, ela é meu astro favorito e de certa forma, meu calmante natural.
Tenho um pequeno vício em ir à praia em noites enluaradas, vou quando ela está sem lua também, com tudo gosto mais de quando tenho a companhia da esfera brilhante. A praia definitivamente é o meu lar, pra onde eu posso ir quando as coisas estão difíceis, lá ninguém pode me fazer mal, é apenas eu e o sereno.

A Poesia das Águas-Vivas.Onde histórias criam vida. Descubra agora