Coração não alienígena

Registro 2: Eu tenho um coração

Eu não sei como nem quando os humanos se dão conta de que têm um coração.

Eu sei que é a primeira coisa que a maioria dos pais humanos ouvem de seus filhos (eu digo maioria, porque aprendi que o parto não é o único sistema de entrega que as crianças humanas utilizam para chegar até seus pais). Eu não sou humano e nem tenho filhos, mas imagino que seja como ouvir o primeiro "Oi!" de um filho. O batimento cardíaco deles é basicamente a única voz que eles têm até nascerem, e seus pais estão sempre ansiosos e felizes em ouvi-lo. Mas aí, depois que eles nascem, a comunicação fica difícil. (eu me pergunto se é porque eles param de ouvir seus corações).

"Você não tem coração!" Eu ouvi essa frase mais de uma vez desde que cheguei à Terra. Mas não era verdade, eu tinha um coração e ele funcionava da mesma forma que um coração humano funciona, bombeando sangue através dos vasos sanguíneos do sistema circulatório do meu corpo. Ouvir que eu não tinha um coração era bobagem, só mais uma prova da estupidez humana. Sim, para nós os humanos eram estúpidos, vocês eram uma vergonha. Sempre se comportando de forma imprudente, fazendo coisas estúpidas, agindo de maneiras que nenhuma lógica poderia explicar. Vocês eram inferiores a nós em todos os aspectos.

Mas quando eu estava no hospital, você permitiu que eu ouvisse o coração batendo dentro do meu peito. Você disse que era para me assegurar que ele era forte e saudável e eu não tinha com o que me preocupar (não sei por que, mas naquele momento, eu esperei por seu toque novamente. Esperei, mas não aconteceu). Então, alguns dias depois, voltei para o lugar onde estava morando.

Sentei-me na cama. O quarto estava frio, silencioso e escuro.

A escuridão nunca me incomodou antes, nunca senti a necessidade de acender as luzes. Naquele dia foi a primeira vez que senti. Então, levantei-me e encontrei facilmente o interruptor. Acendi as luzes. De repente, tudo ficou tão claro que por um momento não consegui ver nada. Quando meus olhos finalmente se acostumaram com a luz, olhei em volta e percebi que estava sozinho e... Nunca havia dado nome aos meus sentimentos antes, porque nunca os tivera. Portanto, eu não tinha certeza do que estava sentindo, mas pela minha pesquisa, havia um sentimento que se encaixava.

Era: solidão.

E ao identificar pela primeira vez um sentimento, percebi que vinha daquele coração batendo dentro do meu peito. Quer dizer, não sei se veio exatamente de lá, mas foi onde eu senti. Então, eu entendi que quando as pessoas me diziam que eu não tinha coração, na verdade elas queriam dizer que eu não tinha sentimentos. Elas estavam certas. Talvez os humanos não fossem tão estúpidos, afinal.

E, talvez dizer que nunca havia sentido nada na minha vida antes fosse um exagero. Eu já havia sentido fome, sede, cansaço, frio e coisas do tipo. Mas tudo isso eram necessidades. E há uma diferença entre necessidades e sentimentos.

Eu sabia como lidar com as necessidades. Sempre que eu estava com fome, eu comia. Quando eu estava com sede, eu bebia. Quando estava cansado, descansava. Se eu estivesse com frio, poderia encontrar algo para me aquecer. E as necessidades paravam, simplesmente iam embora. Mas como eu poderia parar um sentimento? E se ele nunca fosse embora? Essa ideia passou pela minha cabeça e me fez sentir... assustado.

DOIS SENTIMENTOS!? Eu estava tendo dois sentimentos simultâneos! Eu mal conseguia lidar com um, como eu poderia lidar com dois?

Meu coração disparou. Parecia que estava prestes a pular da minha boca. Senti falta de ar. Minha cabeça estava girando.

Só havia um pensamento passando pela minha cabeça: como diabos os humanos ainda estão vivos?

PS: Essa foi a primeira vez que xinguei. E foi bom, estranhamente me fez sentir um pouco melhor. Ou talvez um pouco mais do que um pouco melhor. Mas também, culpado.