Em um ninho de mafagafos tem sete mafagafinhos, uma maçã e Starbucks

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Algo muito estranho aconteceu naquela manhã: eu acordei atrasada.

Apesar de sempre dormir muito tarde pela dificuldade que tenho em pegar no sono, eu nunca acordo tarde demais, muito menos em cima da hora. Às vezes o meu cérebro meu acorda antes mesmo do alarme tocar, provavelmente deve ser algo relacionado a minha ansiedade.

Essa ferramenta no meu corpo é tão maluca que há dias em que eu acordo três horas antes do horário, me arrumo no desespero pensando que estou atrasada para aula e, quando em algum momento eu decido pegar meu celular, vejo que são três e meia da manhã. Normalmente, eu não volto a dormir porque na minha cabeça é mais fácil ficar acordada do que ter que me forçar a levantar depois.

No entanto, aqui estava eu em plena segunda-feira, primeiro dia de aula do meu último ano do ensino médio, prestes a perder meu ônibus e minha dignidade com a roupa ridícula que estava vestindo e o meu coque que mais parecia um ninho de mafagafos.

Por que, logo hoje, o meu celular simplesmente não tocou e o meu corpo não me acordou no automático? O universo ou qualquer que seja o ser que reja por mim, definitivamente, me odeia.

Minha mãe estava acordada e cozinhando, isso também era muito estranho. E, para a minha surpresa, a comida tinha um cheiro agradável.

— Bom dia, filha! Você quer uma panqueca? Fiz a sua favorita para comemorar o seu primeiro dia do terceirão — ela disse animada. Isso tudo só podia ser uma pegadinha, porque essa não era a minha mãe.

— Eu estou atrasada, não dá, mas valeu — tentei soar o mais agradável possível.

Só porque eu estava de mau humor, não significava que eu tenho o direito de estragar o dia de todo mundo ao meu redor. Especialmente o da minha mãe que geralmente nunca está em um bom dia.

— Leva uma maçã pra comer no caminho, então. Não pode ficar sem comer, tem que fortalecer o corpo para poder alimentar a mente

— Você comprou maçã? E desde quando você... — ela me encarava com um sorriso de canto a canto, enquanto eu a questionava — Quer saber? Deixa quieto. Me dá isso aqui. Obrigada, vou comer depois, prometo.

Sai a passos largos pela porta. O dia estava terrível, exatamente como a minha manhã.

Não bastava o meu humor nublado, o céu decidiu combinar comigo vestindo uma belo tom cinzento feito um cinzeiro de bar. E, para ajudar estava frio.

Meu moletom não ajudava a me proteger do vento cortante. Mesmo assim, entre trancos e barrancos, corri em direção do ponto do meu ônibus. No meio do caminho, vi uma lixeira e aproveitei para me livrar da bendita maçã que "ajudaria a alimentar a minha mente".

Minha mãe conseguiu comprar a única fruta que eu detestava até o cheiro, mas eu não falaria isso pra ela. Nunca. Eu sou uma adolescente, não um monstro.

Porém, meu dia estava prestes a piorar, pois, não bastando a minha roupa e penteado fenomenal, junto do meu estômago roncando e o suor devido a corrida súbita matinal, avistei, bem quando eu virava a esquina, o meu ônibus dando partida. Lá se foi meu meio de locomoção, o próximo seria daqui duas horas. Maldita hora para viver em cidade pequena.

Tentei correr atrás dele, mas já estava me sentindo humilhada o suficiente para uma manhã só. Então, decidi que iria andando mesmo. Atrasada eu já estava, não dava para piorar o que já estava horrível.

Lil'hilton é um ovo de cidade, o que veio a calhar nesse momento, já que eu não precisaria caminhar tanto assim para chegar na minha escola.

Passei um quarteirão, depois outro e mais outro. Os meus passos continuavam largos e apressados, os olhos sempre atentos. Tão atentos que, quando estava prestes a atravessar a rua, estagnei por breves segundos sem acreditar no que via.

— Isso é um Starbucks? Em Lil' Hilton?

Olhei em volta em busca de uma câmera, já que isso só podia ser uma piadinha. O show de Truman sempre me foi um medo, estaria ele se tornando realidade?

Para minha sorte, não havia câmeras. Não, não era uma pegadinha do Gugu. Realmente, do dia pra noite, um Starbucks surgiu no minúsculo centro de Lilton.

Se eu estava atrasada, já nem lembrava mais. Minha primeira aula foi para o beleléu mesmo e eu que não ia perder um evento histórico desses na minha cidade só por causa de uma aula. E, segundo a minha mãe, não tem como alimentar o cérebro sem fortalecer antes o corpo.

Acho que perdi alguns minutos só encarando a fachada da loja. Antes de entrar, conferi meus bolsos em busca de dinheiro. Achei um real perdido ali dentro. Mas uma coisa era certa: se um café normal em uma cafeteria completamente normal já era o olho da cara na minha cidade, quem dirá um café à estilo Pinterest do Starbucks.

Um real claramente não ia pagar meu café e eu que não ia entrar na loja só para admirar e ir embora. Não, eu queria ter a experiência completa.

Vasculhei toda a minha mochila, mas foi dentro do meu estojo velho que uso desde o fundamental I que encontrei a tão requisitada nota de vinte reais.

— Eu sabia que você estava aí — falei para mim mesma. Quase beijei a nota, mas isso seria bem nojento, então desisti da ideia.

Foi assim que eu respirei fundo e entrei no Starbucks. O início do meu sonho estava prestes a virar um pesadelo.

Isso é um Clichê Where stories live. Discover now