Era estranho voltar pra escola, é claro que eu não deveria me importar tanto com Jonas Ferreira, ou pelo menos tentar fingir que não me importo, mas o clima era de luto em todo lugar naquela escola.
Jonas ficou desaparecido por dois dias, até encontrarem toda a sua pele e ossos na poça do próprio sangue na reserva dos animais ameaçados perto do lago, na noite passada.
Caminho até o banheiro e jogo uma água no rosto na intenção de um despertar milagroso, oque não acontece.
Sinto o celular vibrar no jeans velho que estou usando. Num outro dia e em outras circunstâncias, eu me importaria mais com minha aparência e meu jeans.
É Lucas, meu namorado, o aluno modelo, filho do prefeito, meu sonho realizado.
A mensagem de texto era reconfortante, tentei falar com ele a noite toda e nada de me responder ou retornar minhas ligações, Jonas era seu melhor amigo, irmão de outra mãe.
Foi mal, não estava bem ontem. Passo na sua casa hoje à noite. Pode ser?
Eu sou um monstro, como eu poderia olhar nos olhos dele depois do que eu fiz? Tentar confortá-lo sobre o amigo morto se...
Tudo bem, amo você. ♡
Eu sou uma piada.
A porta do banheiro estala, é Alice, ela é baixa, cabelos cacheados e ruivos presos num coque firme de ginasta. Olhos verdes e sardas salpicadas pelo rosto. Está melhor que eu, é claro. Mal a vejo, e desabou em lágrimas que parecem que vão me afogar.
— Amiga. — Ela me abraça, e enterro minha cabeça pesada em seu ombro.
— Eu sou uma pessoa horrível. — Balbucio mal conseguindo formular.
— Ei. — Ela segura meu rosto com as duas mãos, me olha no fundo dos olhos e eu mal posso encará-la. — Isso só vai passar quando vc contar pra ele.
— Eu transei com o Jonas, Alice. Acha que ele vai me perdoar? Que eu vou me perdoar? — Me viro, e encaro meu reflexo mórbido no espelho. A pele negra, cabelos lisos e pretos num rabo de cavalo mal feito. Olhos castanhos apagados por uma olheira monstruosa.
— Você vai sobreviver Erika. E eu vou estar aqui. Sabe oque eu penso sobre isso mas ainda estou aqui.
A porta abre, um trio de garotas entra, seco as lágrimas rapidamente. E vamos para a primeira aula.
O professor de matemática mal consegue manter os olhos abertos. Está claro a ressaca de um noite de bebedeiras desenfreada. Quem o julgaria?
Meu celular vibra, não preciso ser discreta. O professor está ocupado demais com os próprios pensamentos. É Alice.
"Quer fazer alguma coisa hoje depois da aula? Podemos f1 na pracinha abandonada. Vai te fazer bem. "
Suspiro. Maconha me deixa paranoica, e eu já estava ansiosa demais para misturar isso com uma paranoia excessiva. E eu não podia me encontrar com Lucas totalmente chapada.
"Vai lá pra casa, dorme lá hoje. A gente faz a noite das garotas. Minha mãe vai trabalhar no turno da noite hoje. Podemos fazer drinks e as unhas. "
"Uhhj noite das garotas, gostei kkkkk chego lá ás seis"
Percebo um movimento estranho lá fora, o alto falante chia, antes da voz da diretora ecoar pela escola.