Todo mundo quer dominar o mundo, eu deveria ter nascido para isso, mas esse mundo não é para mim. Nasci no poder e o poder deveria ser meu, mas lidar com ele significa fingir, provar tê-lo o tempo todo, se não, outros virão e o tomarão. Hoje renuncio tudo o que me foi dado desde o momento em que nasci, a influência, a adoração, a força e o poder.
Foi um mês atrás, quando minha coroação estaria cada vez mais próxima, o rei e a rainha, meus pais, me convenceram a abrir o caminho da coroa para minha irmã Rubi. Porque eles sabem - eu sei - que as Grandes Casas me viam como uma fraqueza, uma rachadura na dinastia, e se você forçar um pouco as rachaduras se tornam buracos e os buracos se tornam passagens. Meu reinado seria a passagem para homens com vontade de ascender, subirem e tomarem o trono. É assim que parece funcionar desde sempre, quem parece mais poderoso é mais poderoso e quem parece mais fraco é mais fraco.
E no final, eu me senti aliviado. O tabuleiro é muito complexo, tem muitas peças. Eu não jogo esse jogo. Logo, vou estar livre para ir para o meu lugar, no front, no Território Sangrento lutando por Salasén de forma física, não aqui protegido e fingindo fazer algo pelas pessoas que morrem do lado de fora, na guerra, na fome enquanto me deleito com o ouro e tomo vinho.
Agora caminho pelo corredor de paredes altas feito para os gigantes, para os deuses. As janelas que vão até o teto, com o peitoril dourado esculpido atentamente em rosas e cupidos sem rosto, iluminam o caminho infinito. Provavelmente foram feitas para exalar o poder que esse lugar deve representar, mas para mim é acolhedor, esse lugar é meu lar, eu corria por esses corredores quando criança.
Os Guardas Rubro me cercam durante a caminhada no tapete vermelho até minha liberdade, mas sei que não precisaria deles caso algo acontecesse, se alguém tentasse qualquer coisa, eu deixaria o fogo correr por meu corpo e o estúpido não duraria muito tempo.
Inspiro a paz do silêncio antes de me tornar a atração principal do espetáculo que se forma no salão onde a minha cerimônia de abdicação vai acontecer. Ao atravessar a grande porta vejo de cima um baile de preto, vermelho e prata que parece ondular como as águas de um rio. Cheio de rostos que vejo desde pequeno. Os guardas ficam e eu desço uma das escadarias que dá na plataforma do trono, a do lado esquerdo. Na frente dos tronos vazios do rei e da rainha está uma pequena mesa com dois assentos, onde eu e Rubi vamos assinar a papelada e todo um reino passará de mim para minha irmã apenas com a tinta de uma caneta. Simples assim.
Vejo minha irmã descendo a escada do lado direito, a mecha vermelha de seu cabelo foi presa numa trança que imita uma tiara com cristais cinzas. Então ela se põe ao meu lado na plataforma, ficamos de frente para o resto do salão, à frente de todos.
"Jazz!" Rubi sorri balançando o vestido vermelho com bordados em linha prata, complacente "Animado?"
"Com certeza." Prendo a respiração sentindo o véu da culpa cobrir meu corpo "Não me leve a mal, Rui."
Nunca parei para pensar de verdade em como a Rubi se sentiu com isso.
Idiota.
Mesmo tendo nascido no meio disso tudo e até sendo melhor que eu, ela não passou a vida ouvindo que seu destino seria governar, e quando nossos pais deixarem o trono, minha irmã vai segui-lo de bom grado. Talvez ela realmente goste do poder tanto quanto os outros ou talvez ela saiba que não tem escolha, então não reclama.
Mas Rubi só se aproxima e toca meu braço.
"Não se preocupe. Meu lugar é aqui, o seu não era." Ela mente enquanto joga uma mecha de cabelo preto sobre o ombro com a mão enluvada. Rubi não está tão perdida quanto eu me sentia e, mesmo assim, esse não é o lugar dela. Minha irmã não pode ser substituída por ninguém. Esse não é o jogo preferido dela, mas ela domina ele tão bem quanto os outros.
"Você vai ficar bem."
E eu realmente acredito que ela vá.
A Rainha Vermelha e o rei descem a escadaria do meio e as trombetas soam, anunciando sua chegada, toda a plateia se vira para a plataforma com os olhos em nós. O espetáculo começou oficialmente.
"Viva o Trono Carmim!" As pessoas saúdam em uníssono pelo salão "Viva à Rainha Vermelha!"
Nossos pais se aproximam da beirada do palco, Iracebeth acena para o público com um sorriso brilhante como uma lâmina. Sua coroa é feita de ouro branco coberta por diamantes ônix e rubis que formam ordenados detalhes de flores pontudas. A do rei, Stayne, é do mesmo material mas é grossa e os rubis se destacam em cada ponta afiada da coroa.
Meu pai apresenta:
"Hoje o destino da coroa é passado de um filho para outro. Meu primogênito, Jazz Archer, resigna o trono e o deixa para minha filha mais nova, Rubi Archer."
É a vez de eu e minha irmã nos aproximarmos da beirada. Não hesito.
"Honro o direito ao trono, mas o passo para minha irmã do sangue Archer, que continuará a dinastia Carmim."
As palavras saem como um peso que me prendia no chão, mas firmes.
"Honro o direito ao trono e aceito-o de meu irmão do sangue Archer. Continuarei a dinastia Carmim."
Um homem velho surge atrás de nós com a papelada e duas canetas-tinteiro e eu e Rubi caminhamos em direção aos dois assentos da pequena mesa enquanto nossos pais vão para seus tronos; nos sentamos e o homem coloca os papéis e as duas canetas na mesa.
O rito continua:
- Eu, Jazz Jaden Archer, - Quase não consigo controlar o sorriso, as palavras que digo agora são o fim das correntes que me prendiam a esse mundo. - De hoje em diante renuncio meu direito ao trono e o dos meus descendentes.
Pego a caneta e assino três papéis: o que renuncio meu direito ao trono, o que renuncio os direitos da minha prole e o que juro nunca voltar atrás.
Minha irmã pega sua caneta e entoa o oposto:
"Eu, Rubi Áries Archer, de hoje em diante aceito o meu direito ao trono e o dos meus descendentes."
Acabou. Eu não sou mais uma peça importante no tabuleiro.
Alguns na plateia batem palmas, enquanto outros se desmancham em desgosto - os homens gananciosos que esperavam o momento para forçar a rachadura e suas filhas que acreditavam ter alguma chance numa prova real -.
Depois que acabamos a cerimônia o baile começa e Rubi some no meio das pessoas que dançam e riem, fico sozinho com minha pequena liberdade e só espero que minha irmã não se veja acorrentada.
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Sangue e Rosas - Coroa de Fogo
FantasíaNo País das Maravilhas, as pessoas são uma peça no jogo dos mais poderosos. "No Palácio, onde deveria estar segura, eu me via como uma presa. No meio da guerra, dos rebeldes e revolucionários, me vejo em um lar. Ninguém controla um incêndio"