Capítulo Dois

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Hora do intervalo. Estou em um dos bancos de madeira plástica espalhado pelo pátio descoberto à espera da minha melhor amiga. Leila aparece correndo carregando dois sucos em mãos. Ela é uma menina alta, loira, de cabelo longo que reflete a luz do sol, pele clara devido ao uso excessivo de protetor solar, uma vez que sua mãe é dermatologista, e pernas esguias.

— Saudades — diz ela, quando me aborda com um forte abraço.

— Eu também. Como você tá?

— Possessa. Não colocaram a gente na mesma sala. — Ela me entrega um suco, o qual agarro sem pestanejar.

— Nem me fale. Minha turma é uma bosta. Não conheço ninguém. — Dou um gole no líquido sabor limão.

Uma menina passa e eu a acompanho com o olhar. Ela tem o cabelo encaracolado, corpo escultural provocado, em partes, pelo uniforme do colégio. Uma calça legging azul-marinho e camiseta branca com traços de mesma coloração da calça na barra e nas mangas. O uniforme dos meninos é a mesma camiseta, com exceção da calça que é jeans.

— Safado! — profere Leila, tirando minha concentração.

— Só tô admirando — brinco, meio sem graça.

Dou outro gole no suco com a intenção de esconder a verdade. Não era para a garota que eu olhava e, sim, para o menino que estava atrás dela. Um menino fortinho, lindo, do cabelo negro, alto e que não tinha como não o notar. Para justificar minha encarada nele, acabei usando a menina que passou. Parece que deu certo, Leila nem desconfia quem realmente me chamou a atenção.

O que posso fazer? Sempre fui gay. Cresci rodeado de ambos os gêneros, porém, de alguma forma, o que me atrai é o mesmo que o meu. Não sei explicar por que e, às vezes, penso que nem deveria. Assim como não sei explicar o motivo de não gostar de macarrão ou peixe.

Eu tinha dez anos quando percebi pela primeira vez os traços da minha condição sexual. Foi quando um amigo disse pra mim: "Olha aquela menina, massa, não é?". E eu não vi nada de especial, mas notei que fiquei ofegante quando o irmão dela se aproximou da gente.

— E seus namorados? — questiono Leila, querendo espantar a sensação ruim de estar mentindo para minha única amiga.

— Terminei com os dois. Eles exigiam demais de mim. — Ela faz um gesto de desdenho.

— Fala a verdade.

Sei que há uma.

— Eles descobriram que não eram exclusivos. — Ela ri achando graça em algo. — Não te contei né? Eles eram irmãos.

Leila é daquelas meninas que gosta de brincar com os garotos. Uma vez, ela namorou um menino, uns dois meses, e quando ele finalmente tomou coragem para dizer "eu te amo", Leila terminou o namoro. Na época não entendi o porquê, até hoje não sei, mas, de acordo com um livro que li recentemente, Leila pode ter algum problema de autoestima.

— Você não tem coração — disfarço minha opinião, puxando os lábios para o lado esquerdo.

— Tenho sim! Só não encontrei alguém digno para entregar ele. — Ela faz barulho sugando a última gota do seu suco de morango.

— Quem você quer enganar? — tiro sarro. — Eu te conheço, menina.

— E você que nunca fica com uma garota mais de duas vezes, cachorro!

Ah é, ninguém sabe que sou gay. Na realidade, eu mesmo me esqueço. É como se esse lado da minha vida estivesse em segundo plano, entende? Eu não procuro um namorado ou ficante, por mais vontade que eu tenha. E isso se dá pelo medo que sinto em me apaixonar de verdade. Em não saber se eu teria coragem para encarar o mundo em nome desse sentimento. E, por conta do medo, sufoco esse meu lado. Não abro nem para minha melhor amiga. Sei lá, só de imaginar que algo pode mudar em nossa relação, que Leila pode me olhar de alguma forma diferente, me faz congelar. Me faz atuar. Me faz ser alguém que não sou.

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