Capítulo Três

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Chego em casa exausto após meu primeiro dia de aula. Jogo a mochila no sofá fazendo um barulho que minha mãe ouve da cozinha e exclama histérica:

— Já falei que não quero bolsa nenhuma na sala!

Como ela sabe que é a minha bolsa sem ao menos estar no mesmo recinto que eu? Sigo até a cozinha com esta dúvida em mente. O cheiro do almoço se espalha pela casa inteira. Aposto que os vizinhos dos onze pavimentos abaixo também sentem o odor de frango frito.

— Como foi a aula hoje? — indaga minha mãe, assim que ponho os pés no piso cerâmico marrom da cozinha.

— Boa. Elogiaram minha pontualidade. — Eu a vejo me encarar de soslaio concentrada na escumadeira que vira o frango encharcado de óleo.

— Guardou sua bolsa? — Balanço a cabeça negativamente. — Então vá antes que seu pai chegue. E aproveite pra arrumar seu quarto, uma tal de Katrina passou por ele.

— Katrina?

— O furacão. — Ela ri da própria piada.

Será que minha mãe sabe que a piada foi horrível? Será que todas as mães têm time pro humor péssimo? Deve ser um pré-requisito para se tornar uma. E, se for, herdei esta característica dela. Não discuto, vou à sala e recolho a mochila e caminho até meu quarto. Quando entro, vejo que a situação é bem pior do que me lembrava. Culpa da Katrina!

Termino de arrumar o quarto ao mesmo tempo que minha mãe termina o almoço. Gosto quando ela tem folga em plena segunda-feira, ser enfermeira chefe de um dos maiores hospitais da capital não é pouca coisa. Ela, por muitas vezes, passa noites e noites sem dormir por conta dos plantões, e tê-la em casa só para mim uma vez na semana me deixa feliz.

— Tô saindo — avisa minha mãe, terminando de almoçar rápido enquanto eu, meu pai e minha irmã ainda continuamos a comer sentados à mesa de jantar. — Ligaram do hospital.

— Hoje não é seu dia de folga? — Meu pai tenta entender.

— Não existe dia de folga pra mim, querido! — Ela dá um beijo na testa dele e sai da sala de jantar.

Termino de comer e volto ao meu quarto com a barriga cheia e lábios oleosos. Se fosse inverno não precisaria passar manteiga de cacau como faço todo ano para evitar que meus lábios rachem. Quando deito na cama, encaro o teto. Além da camada de poeira que se acumula no ventilador, vejo o rosto do menino que tentei assassinar.

Ele me olha bravo, com a cara de quem vai se vingar. Mas por quê? Eu não tive culpa. Talvez um pouco. Bom, se eu seguisse as regras do colégio isso não teria acontecido. "O intervalo é para ir ao banheiro e não ficar papeando", ouço a voz da diretora no meu ouvido. Nem em casa ela me deixa em paz?

Sou retirado dos meus pensamentos quando minha irmã entra no quarto e, com um travesseiro em mãos, tenta me sufocar.

— Eu disse que te mataria se chegasse atrasada na faculdade — ralha ela, pressionando o travesseiro no meu rosto.

Tento resmungar algo, porém nada sai, uma vez que Sara joga todo seu peso no braço e pressiona o travesseiro evitando que eu consiga me mover. Segundos depois, ela finalmente me deixa sair e eu volto a respirar com um pouco de dificuldade. Minha irmã me encara com aqueles olhos cor de mel que ficam evidenciados em seu rosto preto, rechonchudo e cabelo volumoso encaracolado.

— Você tá louca — consigo dizer, tossindo. — Quase me mata.

— Pra você aprender a acordar quinze minutos antes!

— Vaca! — urro.

E minha irmã avança de novo, mas dessa vez eu a empurro com os pés. Sara sente dor e para na hora. Ainda sedenta por briga, ela me faz uma jura:

MaracujáOnde histórias criam vida. Descubra agora