Sticks and Stones

UM

Alex

Após checar a pulsação da garota e tomar consciência de que ela ainda estava viva, ele deu uma última conferida na corda que prendia os braços dela bruscamente para trás. Quando terminou de enfiar uma quantidade considerável de tecido dentro da boca de Emily e lacrá-la com uma fita grossa, Alex fechou o porta-malas com um baque forte e marchou em passos firmes para a porta da frente do Seu Jeep Commander cinza. Sentiu uma excitação latente misturada com pavor quase imperceptível no momento em que sentou no banco confortável. Ligou o carro como fazia rotineiramente. Ativou a função “ar condicionado” no painel digital. Acionou o pisca alerta sinalizando que ia sair do acostamento e pegar a estrada totalmente deserta e o fez. Jamais imaginou, nem em um bilhão de anos, que um dia se proporia a tamanha atitude desesperada, mas ali com o olhar fixado na estrada, aquela parecia a única opção razoável para sua cabeça confusa e doentia.

Soube o que queria fazer há certo tempo, isso era verdade, mas somente ao acordar naquela manhã Alex conseguira organizar seus passos com mais clareza. Tinha que seguir o roteiro da sua vida como de costume para que não caísse sobre ele, qualquer que fosse a suspeita, quando dessem conta do desaparecimento de Emily. O fizera com maestria. Cerca de três meses atrás, Alex decidira pedir demissão do seu cargo de contador trainee na empresa em que trabalhava pouco mais de um ano. Já estava ficando entediado com o ambiente de trabalho e o salário não era grande coisa assim, então não faria tanta diferença. Inventara que havia recebido uma proposta de cargo pleno na área contábil em outro estado, o que não surpreendeu ninguém levando em consideração sua reputação tão estável e bem construída anteriormente. Naquela manhã foi seu último dia de trabalho, tudo seguiu perfeitamente bem. Quando o momento da despedida começou, Alex fez questão de agradecer a cada pessoa que viera lhe desejar boa sorte na sua nova jornada, por mais que sua vontade real fosse mandar cada uma delas para o inferno com suas próprias mãos.

Já havia deixado duas malas prontas dentro do carro na noite anterior, para quando saísse do trabalho fosse direto encontrar com Emily, em um restaurante estrategicamente escolhido por ele em um momento anterior. Convencê-la a aceitar o convite  foi a parte mais complicada do plano, mas nada que um pouco de persistência não resolvesse. Apesar do término um tanto quanto conturbado, Emily não conseguia responsabilizar somente Alex pelo o fim do relacionamento. E tendo ciência disso, ele se aproveitou do fato.

Chegou 20 minutos adiantado, escolheu uma boa vaga para seu carro e esperou por ela. O namoro de 4 anos não permitia ele esquecer que a agora ex namorada tinha uma pontualidade de dar inveja, então se apressou a chegar primeiro para nada sair do seu plano. Dito e certo, lá estava Emily, entrando pela porta larga do restaurante de beira de estrada quase na saída da cidade, bem na hora que eles haviam marcado. Ela lançou-lhe um sorriso de lado quase verdadeiro, mas em seu olhar era nítida a pontada de confusão. Ele fingiu não perceber.

Ela sentou à mesa. Nada de abraço de saudação ou coisa do tipo, isso já não cabia na relação deles. Ele foi quem começou a conversa. Treinara todo um discurso genérico sobre crescimento pessoal e qualquer outra baboseira que ele sabia que a nova Emily acreditava e se importava.
Essa nova Emily que havia terminado com ele seis meses antes não era a mesma Emily dele. E havia sido isso o que começara a enlouquecê-lo durante os meses que seguiram o término.

Quando se aproximou das 19h, a conversa já estava chegando ao fim. Eles se despediram. Ele pagou a conta e deu uma boa gorjeta para o garçom, seguida de um "boa noite" e um sorriso cordial. Ela desejou que ele fosse feliz na nova cidade para a qual disse que estava indo. Ele agradeceu pela compreensão e por ela ter aceitado o convite  e se levantou. Rumou para o estacionamento, não esquecendo de ser notado pelo máximo de pessoas possíveis no local, havia escolhido uma roupa bem específica para isso. Não era muito comum que um homem tão bem vestido frequentasse um restaurante simples daquele. Por precaução, perguntara as horas para um senhor que passeava com um cachorro velho e gordo alí pelo perímetro. Era de extrema importância que o vissem saindo do estabelecimento primeiro que Emily. Sozinho. Entrou no carro e esperou para ver sua presa entrar em seu próprio veículo. O efeito do sedativo que ele despejara na bebida dela quando a mesma havia deixado a mesa para retocar sua maquiagem só deveria fazer efeito dali a uns 15 minutos, e o ideal era que ela já estivesse na estrada quando isso acontecesse.

Ocorreu tudo como o planejado. Emily desmaiou no volante, entrando com o carro para dentro do mato alto da estrada que dava de volta para a cidade. Não havia ninguém por perto na hora, então Alex pôde trabalhar com tranquilidade. A garota não chegou a se machucar, só uns pequenos arranhões por conta do choque de seu carro com uma árvore mais para dentro da mata fechada. O carro em si estragou um tanto.

Agora com Emily dentro do seu porta-malas, Alex poderia dar continuidade a segunda parte da sua empreitada. Ele já tinha alugado uma casa numa cidade costeira e não esperava ficar lá por tanto tempo. Contudo, isso ia depender de como as coisas entre ele e Emily fossem ficar dali em diante. É claro que ele não queria fazer mal pra ela, não mesmo. Emily foi o grande amor de Alex, e o fato de ele reagir de forma tão ruim ao término deixava isso bem claro. Estava fazendo aquilo única e exclusivamente por amor.

Uma noite fria se derramou sobre a estrada. Poucos carros eram vistos em ambas as direções, e isso deixou Alex de bom humor. Tamborilava no volante praticamente sem nenhuma tensão muscular em seu corpo. Era como se nada ali fosse muito fora do cotidiano do rapaz. Assim ele seguiu por mais de três horas, estrada a fora, para rumos ainda não totalmente conhecidos. E continuaria por muito mais tempo, não fosse pela garota alta e loira que  se materializou acenando de forma descontrolada bem na frente do seu carro, o forçando a frear de forma súbita para não a atropelar.