Vernáculo

3

- Essa poesia aqui - Recebecca pegou o livro no encosto do sofá. - Foi pra mim ou pra ele?

Aquilo pegou Freen de surpresa. Ela não estava esperando uma discussão tão direta. Achava que iriam conversar, como antes, como boas amigas.

- Becky...

- Responde. - Disse a outra muito calma, começando a se levantar do sofá. Caminhou até a cozinha, precisava de um água, estava começando a se sentir enjoada.

- Eu não sei. - Freen respondeu - Para os dois, talvez. - Ela odiou como aquilo soava saindo da sua própria boca. Se sentia suja por falar daquele jeito. Como ela poderia não saber? Fechou os olhos com força para não chorar, não poderia chorar agora. Queria deixar para chorar mais tarde, porque sabia que teria vários motivos para isso.

Becky tomou o copo cheio de água em um gole. Riu, sarcástica, da resposta de Freen. Colocou o copo na pia e virou para ela, percebendo que estava se aproximando. Examinou a tailandesa da cabeça aos pés, ela estava um caco. Isso fez seu coração apertar, queria poder abraça-la, mas não era momento pra isso agora. Elas tinham que resolver isso.

- Eu não entendo. - Becky falou encarando Freen. - A gente não precisava disso, achei que acima de tudo fossemos amigas. Porque mentir pra mim?

- Eu amo você. - Freen disse - Cada parte do meu coração é seu, sobrou nada nele pra mim. - Fez uma pausa para ver se a outra iria dizer alguma coisa, mas Rebecca nada disse. Continuou olhando para ela esperando que ela continuasse a falar. - Nossa amizade era tão boa, tão perfeita. Ai você começou a gostar de mim e eu apenas pensei, porque não? Qual seria a probabilidade disso dar errado? Nós éramos tão boas como amigas, como namoradas seria melhor ainda. A gente se dava tão bem, eu me sentia bem com você. Uma hora ou outra eu viria a gostar de você do jeito que você queria, eu só não contava que...

- Fosse se apaixonar por outra pessoa primeiro? - A outra concluiu.

- Sim. - Essa afirmação saiu quase como um sussuro. - Não foi planejado, eu juro. Última coisa que eu pretendia era isso. A gente foi conversando e...

- Eu não quero saber - Becky interrompeu. - Não preciso saber. - Apertou seus braços ao redor do próprio corpo, como se estivesse se abraçando. Se sentia esgotada, já não queria conversar mais.

- Eu só quero que entenda. - Freen estava com a voz embargada, não conseguia aguentar mais. - Eu tô me sentindo tão culpada, você não tem noção. Eu não durmo, não consigo comer, por medo de perder você. - Puxou o ar pela boca, para continuar falando. - Eu não quero me sentir mal pelo que eu sinto por ele, porque eu sei que não é ruim. Ao mesmo tempo não quero que a gente termine assim, não deveria terminar assim.

Rebecca não respondeu. Apenas fitou a amiga chorando em pé, no meio da cozinha. Nunca a tinha visto tão fragilizada, tão destruída. Parecia que ela tava carregando o mundo nas costas a muito tempo.

- Sabe, você não precisava ter passado por nada disso se tivesse conversado comigo. - Becky suspirou. - Para ser sincera, eu acho vinha pensando em falar com você. Acho que, esse sentimento que, eu achava, sentir por você não era real.

A sensação foi que caiu um balde de água fria na cabeça da outra. As lágrimas ainda escorriam, mas agora ela olhava para Becky com atenção. Não estava esperando por aquilo. Tinha tanta certeza do sentimento da outra por ela, que não passou pela sua cabeça que, talvez, a outra estivesse duvidando do que sentia. Aquilo pareceu deixa-la sem chão. Ao mesmo tempo, uma sensação de realização. Como pôde ser tão egocêntrica? Como conseguiu ser tão cega?

- Eu não queria magoar você. Eu não queria dizer a você o que eu estou dizendo agora. Não queria reconhecer que me aproveitei de você. - Ela falou rápido. Tão rápido que a outra quase não conseguiu entender. - Nunca passou pela minha cabeça que você tivesse dúvidas na sua cabeça. Eu não queria estragar nada mais do que já estraguei. - Foi se aproximando da cantora. - Quando resolvi fazer alguma coisa, aquelas fotos saíram em todo canto. Eu não tive tempo nem de pensar o que poderia fazer. Só queria consertar as coisas. 

- Mas não tem o que consertar mais, Freen. - Rebecca segurou o rosto da amiga entre as mãos. - Acabou. - Acenou em afirmativo com a cabeça. - A amizade da gente foi tão desgastada nesse processo. As coisas ficaram tão complicadas que eu não me vejo sendo mais sua amiga ou qualquer coisa. - A mais nova começou a chorar.

- Não diz isso, por favor. - O desespero começou a bater em Freen.

- Falo sério. Acho que essas fotos não vazassem, iríamos acabar assim. - A testa das duas se juntaram - Eu me sinto esgotada, preciso de um tempo do mundo e de você. - Uma facada doeria menos para Freen. Ela sentiu seu coração falhar, sentiu que iria desmaiar, caso Becky falasse algo assim de novo. - Eu vou embora. Eu quero que você seja feliz, espero que ele lhe trate bem e que as coisas dêem certo. - Beijou a bochecha esquerda da mais velha. - Vai ficar tudo bem, não se sinta mais culpada. - Um beijo na bochecha direita. - Agora, eu preciso ir.

Rebecca soltou a amiga e, rapidamente, se dirigiu ao quarto para pegar suas coisas. Queria sair logo dali, estava incomodada. Já tinha tido tudo que queria dizer. Iria viajar, passar um tempo fora da internet, do mundo. As coisas iriam se ajeitar.

Assim que Becky saiu, Freen sentiu suas pernas perderem a força. Caiu sentada no chão e se encolheu chorando ali. Ouviu quando a porta bateu, estava acabado. Todos aquela fantasia, está morta. As coisas tomaram rumos diferentes do que ela imaginava. Não era para ter sido assim.