1. Assassino da Morpho

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O homicídio é singular, pois anula o prejudicado. Assim, a sociedade deve assumir o lugar da vítima e em seu lugar exigir punição ou garantir o perdão.
(Poeta W. H. Auden)

*

O corpo deixado de pernas cruzadas e olhos fechados em cima da cama nos dava outra cena de crime, o mesmo que eu vinha trabalhando a algumas semanas.

As mãos em forma de concha e os dedos seguravam o que era uma borboleta azul, compondo a arte que ele fazia questão de montar para que víssemos.

Ela era uma mulher jovem na casa dos vinte e cinco anos, sem manchas de luta ou de agressões por seu corpo pequeno. Ele não parecia bater em suas vítimas, pelo menos, eu nunca havia visto nenhuma delas machucada ou com hematomas por sua pele.

Sem arrombamentos em nenhum dos casos, sem resistência por parte das garotas que ele escolhia para enforcar depois de tocá-las sexualmente. Ele era bom, tão bom que em todas as cenas não conseguimos encontrar um fio de cabelo, nem DNA por entre as unhas da vítima, muito menos líquidos sexuais espalhados pela pele ou pela cena do crime que ele montava.

Elas eram sempre loiras, pequenas e de classe média para alta. O que parecia lhe dar alguma liberdade para escolher quartos de hotéis mais caros e que traziam a mesma tranquilidade que ele queria passar com sua montagem.

Ele estava se tornando um incômodo para nossa equipe, um estorvo que não conseguimos mais controlar. A mídia estava caindo em cima da polícia e ela por sua vez, em cima de mim.

Assassino da Morpho — Era assim que estávamos chamando-o, pois em todas as suas composições após o crime, deixava essa borboleta nas mãos da vítima. Eu ainda não sabia o que queria dizer com isso, nem mesmo o porque enforcava as mulheres após conseguir o que queria: a morte.

Talvez fosse um sádico manipulador e sentisse prazer depois do ato, causando nas vítimas uma dor intensa apertando seu pescoço com as mãos até que elas desmaiassem e então, morressem.

Essa era a única marca que ele deixava nelas, um colar arroxeado de dedos por toda a pele ao redor do pescoço.

— Deveria ir para casa, Maya. Não há mais nada para fazer aqui. — Eu sabia que não, na verdade, Morpho havia repetido com perfeição o mesmo quadro.

Eu suspirei enfiando as mãos nos bolsos, desde as últimas semanas era isso o que eu fazia. Recebia uma chamada de algum hotel na cidade e quando chegavámos no quarto, a porta destrancada mostrava a jovem loira sentada no meio da cama com a borboleta azul nas mãos.

Claro que isso tinha um significado profundo para Morpho, eu só não tinha descoberto qual era, ainda.

— Vou olhar mais um pouco e irei para casa. — Adrian suspirou e depois de interditar a área, fechou a porta do quarto.

Minha experiência em investigação tinha me dado algumas formas de encontrar coisas que ninguém mais podia, só que... Morpho não seguia nenhum dos padrões além de querer ser visto sem realmente estar lá, de ser reconhecido sem precisar aparecer e ter a fama de um homem que cometia seus crimes, e que não estava nem perto de ser pego pela polícia local.

Eu tinha acesso a todo o sistema policial, mas não fazia parte deles. Me formei na academia e depois de alguns anos tentando exercer a função policial, eu desisti para finalmente encontrar meu lugar. Não era nas ruas da mesma forma que as patrulhas faziam, meu lugar era caçando esses miseráveis que se achavam bons demais para que conseguissem ser encontrados e pagarem por crimes que até então, eles chamavam de arte.

E eu era boa nisso.

Só que não havia nada, a mulher havia entrado com ele e não havia nada suspeito nas câmeras de segurança. Nenhum dos empregados do hotel tinha visto nada de anormal ou diferente do comum, nada realmente para se preocupar. O que dificultava nosso trabalho, no caso, o meu trabalho.

Morpho estava sendo o único a deixar a polícia cansada a ponto de quase pedir ajuda aos federais e como eu também não estava encontrando nada para poder seguir, também estava cogitando chamá-los para saber se eles tinham algum outro método para descobrir como esse desgraçado estava conseguindo passar por toda a nossa perícia sem nenhum deslize.

Estava sendo triste e doloroso ver que não estávamos dando conta de um cara desse, por todo o trabalho e o modo que a vítima ainda sentada na cama foi movida, ele trabalhava sozinho e não fazia muito esforço para conseguir levá-las.

Então ele era muito bonito e simpático, ou apenas um cara que sabe usar suas armas para galantear. Isso era um problema, pois ele poderia passar por nós sem ser reconhecido e mentiria como quem diz a verdade.

A jovem parecia intocada quando me aproximei da cama, como as outras, ele a estrangulou antes de colocá-la no lugar certo e deixá-la pronta para que a achássemos.

Eu ri com escárnio para a borboleta, ele gostava desse jogo e sabia que até o momento, nós estamos perdendo.

Mesmo com toda essa cena, ele não passava de um assassino psicótico e logo cometeria algum erro, nesse precioso momento, com os federais ou não, eu iria atrás dele e o arrastaria pela cidade mostrando a todos que o monstro estava finalmente sendo preso por seus crimes e seria desfigurado na prisão.

O problema é que estava sendo difícil e demorado demais, não havia nada que ligasse as mulheres além da aparência física e a classe econômica.

Mordi as bochechas olhando pelo quarto uma última vez antes de sair, talvez ele tivesse algum problema pessoal com mulheres loiras. Uma mãe que o menosprezou ou a primeira mulher que o rejeitou. Havia um leque de possibilidades e a maioria eu já tinha descartado nas semanas que se passaram, essa era a sétima vítima e cada uma das vezes que aparecia uma nova, tudo estava ainda mais limpo e encontrá-lo, parecia um desejo distante.

Mas eu só pararia quando ele estivesse atrás das grades sendo torturado por cada homem dentro daquele lugar e faria questão de visitá-lo periodicamente para ver seu estado deplorável a cada mês.

— Te pegar vai ser a minha conquista pessoal, Morpho.

Murmurei deixando a pobre mulher para ser levada ao restante da perícia, ela precisava ter um enterro digno depois de ser entregue a família.

(DEGUSTAÇÃO) MORPHO - O que faria se um assassino te escolhesse?Onde histórias criam vida. Descubra agora