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Eu não aguento mais.

Já faz muito, muito tempo que digo isso para mim mesma. Todos os dias, todas as horas, todos os minutos, segundo e milésimos de segundos. Respiro fundo e olho novamente para a seringa que seguro firmemente. Essa blusa está tão larga que, ao erguer o braço, ela simplesmente desliza, mostrando as picadas, os cortes.

Até para morrer eu sou um fracasso.

Eu não queria nada disso. Queria ter sido feliz, ter conhecido lugares, pessoas, estudado idiomas. Queria uma vida muito diferente da que tenho. Eu queria que nada daquilo tivesse acontecido. Queria ter alguém que me recebesse todos os dias quando eu chegasse em casa. Queria poder ouvir os gritos da minha mãe, assim como sua risada. Eu queria que tudo tivesse sido diferente, tudo... Mas aqui estou eu e, espero que eu tenha acertado na dose, pelo menos dessa vez.

Eu preciso morrer.

Ou melhor, eu já estou morta. Cada um deles levou consigo uma parte de mim. Me sinto uma carcaça, uma casca vazia, sem motivos para continuar. A dor já me dilacerou tando que nem forças tenho para chorar. É como se todas as minhas lágrimas tivessem simplesmente secado. Estou aqui, sentada nesse chão frio, rodeada de nada, a única luz que ilumina o ambiente vem da janela aberta.

A lua está linda.

Dou duas batidas na seringa, observando o líquido transparente e pensando em tudo o que poderia ser, mas não foi. O sorriso no meu rosto é frio, meus movimentos são mecânicos. Sinto como se estivesse roubando o oxigênio de alguém. Peso na Terra. Mais duas batidas e garroteio meu braço com certa força, sentindo o frio da agulha tocar minha pele. O sorriso deles me assombra nesse quarto escuro, enquanto empurro a agulha para dentro e pressiono o líquido, sentindo um ardor que já conheço bem. Por precaução, tenho mais uma seringa com um líquido azul fluorescente que pego, encarando-a e já sentindo os efeitos da primeira droga.

— Para ocasiões especiais...

Pressiono ela contra a minha pele, sentindo a agulha entrar aos poucos e o líquido invadir minha veia, fazendo com que meus olhos se revirem.

A última coisa que vejo parece meu primo, no batente da porta, correndo em minha direção. Mas não posso ter certeza.

Apaguei.

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— EMERGÊNCIA! — O ruivo gritou enquanto carregava uma moça de cabelos rosa para dentro do hospital. Sasori se importava muito com a prima, mas assim como qualquer pessoa comum, precisava trabalhar e, por conta disso, nem sempre estava presente. Sentia sob seus dedos o corpo já perdendo a temperatura, observava atentamente os olhos fechados, as picadas e cortes nos braços. A depressão dela estava durando muito mais tempo do que o comum. Ele sabia que, cedo ou tarde, ela acabaria conseguindo o que tanto queria, mas enquanto pudesse, faria de tudo para tentar protegê-la.

— Heroína e... metanfetamina... — A loira, aparentemente responsável pela emergência disse, se aproximando e colocando o corpo da jovem em uma maca. — ELA PAROU! SE PREPAREM PARA A RESSUSCITAÇÃO.

Ele acompanhou a equipe até onde pôde, observando pelo vidro da porta enquanto o desfibrilador era ligado e choques potentes eram dados em Sakura. Cada vez que ele a via dessa forma, algo dentro dele morria. Já não acreditava mais em tempos bons, não acreditava mais em forças superiores. Tudo o que acontecera com Sakura não aconteceria, na cabeça dele, se realmente existisse alguém olhando por nós em algum plano superior.

Imagina se não tivesse chegado? O que poderia ter acontecido?

Era a quinta vez em menos de três meses. Ele não queria ter que interná-la forçadamente. Ela era a única família que o restava, e vice-versa. Viu atentamente quando os olhos verdes se abrirem, sem expressão.

Ela estava de volta, mas até quando?

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Itachi se revirava de um lado para o outro, sem conseguir dormir. Acabara de sair do hospital, onde esteve de plantão por mais de 12 horas. Ele decidiu cursar medicina após perder sua adorada mãe para um câncer maldito. Como se isso não bastasse, estava com o irmão mais novo internado em estado crítico após um acidente grave.

Sasuke havia se acidentado em um racha.

Estava irreconhecível. O coma já durava três meses e seus colegas de profissão já tinham deixado claro que, provavelmente, ele sofreu muitas lesões neurológicas e ósseas. Nunca mais seria a mesma pessoa. Em alguns momentos, Itachi desejava que ele morresse, se isso fosse o melhor. Ele amava o irmão demais, mas não aguentaria ver o sofrimento dele se todas as previsões estivessem corretas. Pensar em Sasuke o entristecia. O abatia. O irmão mudou totalmente após a morte da mãe e a ausência do par também não ajudava. No fim, Itachi sentia dentro de si uma culpa que não lhe cabia, mas que mesmo assim ele optava por carregar. Foi como um pai para Sasuke após a morte da mãe e os sumiços constantes do pai, por isso sentia haver falhado com ele.

É tudo culpa minha.

Ouviu o celular tocar e se livrou pelo menos por alguns instantes daqueles pensamentos que o consumiam.

— Acabei de sair daí. O que houve? — Disse, pois, viu se tratar de um número do hospital.

— Temos uma emergência. Tentativa de suicídio. Precisamos de você.

Desligou o celular e colocou o jaleco que estava sob a cadeira. O dever lhe chamava novamente.

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Meu Abrigo (ItaSaku)Onde histórias criam vida. Descubra agora