Diário Público

Fome

Ela me persegue e me pergunta
Seu estômago não dói?
Seu corpo não fraqueja?
Olha pra tua boca, branca, sem cor.

Ela pergunta
Não dói? A culpa não cansa de persegui-la ?
Por comer incondicionalmente
Sem pensar.

A fome é um tormento
Ou eu sinto ela
Ou ela vem sem aviso prévio.

Se mantenha ocupada
Esqueça de comer
Por favor, esqueça de comer.

Você se sente tão mal
A comida te sufoca, porque ainda sente fome?
Fome do mundo
Fome de mim
O que será a fome? Se nem eu sei, imagino que seja assim.

Sentir que doa
Sentir que encheu
Não seja ingrata, como o que é seu
Engula tudo, tava com fome.

Coma tudo o que ver pela frente
A estrada é longa
Leve comida reserva, ou a fome vai te consumir.

Porque tanto medo de comer?
Porque tanta culpa por engolir?
O que fiz de errado pra você?
Oh, culpa, porque me persegue assim?

Tá comendo sem se preocupar
A culpa bate a porta pra não esquecer
A comida tomou o meu lugar
E agora, o que eu posso ser?

Sinto vontade de parar
De esquecer
De voltar ao tempo
Soltar a comida e seguir em frente.

A minha voz falha
Minha respiração acelera
E eu nem tenho forças pra comer
Porque comida, porque me culpa tanto?

Odeio sentir que tudo isso é em vão
Como pra sobreviver
Mais morro por comer
Engulo para me sentir bem
E vômito para não me culpar.

Suspiro, é um ciclo
Dói, corrói
É um ciclo
Volto pro início.

Fome, escrevo sobre você
Fome, por favor não me atormente
Não doa ao estômago
Não quero comer de novo.

O olhar de julgamento em teu rosto
Sobre o meu corpo
Doía toda vez que você olhava
Me dava um desconforto.

Comi, eu comi
Disse eu, assumindo ao mundo o meu pecado
Sangrei aos poucos e me senti quente
O meu sangue escorria, me fazendo ferver.

Esquentei o meu corpo sozinha
Já que o frio me atormentava
E a fome me destruía.

Senti que tava confortável
O sacrifício ao mundo
Mas porque?
Porque estava errada?
Porque o sacrifício era tão importante?

Eu não posso comer
Eu não posso comer
Eu não posso comer

As roupas se ajustam
O meu coração se aperta
A minha garganta fecha

Isso é drama?

Por favor, não me deixe
Vida, eu vou cuidar de você
Eu vou fazer tudo
Eu vou fazer de tudo.

Fome, me abondone por favor
Preciso cuidar da vida
E fica difícil quando me atormenta
Me enche de dor.

Não consigo.

Tentei fazer de tudo
Mas, eu não consigo
Não sei se é fato biológico
Ou a genética do DNA tá errada.

Não consigo.

A vida e a fome
Estam entrelaçados
Não consigo viver sem a necessidade de comer
Não consigo comer sem a necessidade de sentir fome.

Por favor, não me trate como se tivesse cometido um pecado
Posso sangrar, me aquecer
Mais a culpa, é inútil.

Não posso remover a necessidade
E transformá-la em opção.

ÐARK