O Pesadelo (TERROR/DRAMA)

72 5 3
                                    


Acabei de acordar e, apesar de eu estar enrolada por algumas camadas grossas de lençóis, estou morrendo de frio. Lá fora o vento sopra forte e constante, da janela do meu quarto consigo observar sombras de galhos de árvores secas se movimentando com frequência. Ainda é madrugada, a casa permanece em penumbra, levantei apenas para ir beber água, a sede é maior que o medo. Quando terminei de beber água, ao passar pela sala, tudo foi clareado devido a um relâmpago, em seguida, um barulho de galho invergando me vez ficar assustada, fazendo com que eu deixasse escapar um leve grito devido ao susto.

Uma madeira acabara de ranger sob um colchão, era minha mãe se levantando de sua cama, saindo do quarto e vindo em direção à mim.

- O que foi, querida? Por que está acordada a esta hora? - Perguntou minha mãe, enquanto se agachava em minha frente.

- Eu tô bem. Só levantei para tomar um copo d'água. - Assenti.

Ela foi em direção à janela, acredito que tenha escutado o mesmo barulho que eu escutei. Senti que minha mãe se assustou com algo, seu olhar de pavor junto as suas mãos tapando a boca não negava. Fui ver o que era e mesmo antes que ela pudesse me impedir de observar, vi sete homens despidos pendurados pelos pescoços em um enorme galho de árvore que ficava no quintal da vizinha, mas o galho era tão grande que invadia nosso quintal. Os sete homens estavam pendurados sobre o nosso quintal.

Gritamos.

Corremos até o meu quarto, fechamos a porta e deitamos na cama. Minha mãe me abraçou com força, ela estava tremendo e rezando a todo momento. Eu comecei a chorar, não sabia o que fazer, não poderia fazer nada para proteger minha mãe.

A maçaneta da porta logo começara a girar devagar, meu coração acelerou. Tinha algo do lado de fora tentando entrar, cada vez mais que girava a maçaneta e empurrava a porta, mais nervoso ficava e acelerava o processo. Eu segurava o lençol na altura dos meus olhos, minha mãe me segurava e tremia mais do que eu. De repente, o silêncio toma conta da casa, quem estava do outro lado da porta desistiu de entrar. Os relâmpagos pararam e agora a escuridão abraçou o meu quarto. O frio aumentou, fiquei mais nervosa e apavorada. Uma voz de velha sibilou por trás da porta:

- Ficaram com medo que eu entrasse? Tolas. Olhem para o teto. - E a voz desapareceu ecoando até à cozinha.

Merdamerdamerdamerdamerda. Meu corpo arrepiou do pé até meu último fio de cabelo. Eu não queria olhar para cima, tentei evitar ao máximo, mas ao ouvir minha mãe sussurrar meu nome várias vezes em seguida, como quisesse que eu me preparasse para correr ou para ficar atenta, foi o suficiente para que eu levantasse o meu olhar até o teto.

Uma bruxa com máscara de porcelana.

A bruxa pairava majestosamente, o seu longo vestido preto e rasgado flutuava como uma cortina negra de fumaça, tomando maior parte do teto do quarto. Ela estava em silêncio, nem mesmo dava para se assustar com sua reação, pois a máscara não permitia. A bruxa aparentava ser uma aranha em seu canto, pronto para atacar sua presa.
Eu só pensava em proteger minha mãe, eu estava com medo, mas quando vemos alguma pessoa que amamos em perigo, força e coragem brotam do nada.

Apoiei minhas mãos na cama para me levantar e minha mãe me segurou e puxou levemente. Vai ficar tudo bem, falei. Me levantei e caminhei até à porta, a sensação de ter uma bruxa acima de mim era horrível, e o pior, o silêncio dela me incomodava. Quando fui pegar a chave para abrir a porta, o nervosismo tomou conta de mim, pensar em que a bruxa pudesse fazer algo comigo ou com minha mãe me fez ficar desesperada, até que finalmente consegui abrir a porta e sussurrei minha mãe para se levantar da cama e sair do quarto comigo. Fiz tudo isso tentando não fazer barulho, talvez a bruxa estivesse dormindo, pensei nisso desde que à vi.
Minha mãe segurou minha mão e correu em direção à porta para sair de casa.
O tempo invernou, ficamos paradas por alguns segundos por causa do nevoeiro, parecia que estávamos em outro lugar. Tudo cinzento e várias árvores secas pela rua. Os carros estavam todos parados, não tinha movimento algum e as casas pareciam ser todas antigas. No final da rua, entre o nevoeiro, surgiu uma mulher de vestido branco desgastado, ela estava flutuando e vindo lentamente em nossa direção. Seus cabelos eram castanho com algumas mechas brancas e encaracolados. Sua pele era tão branca quanto um floco de neve, seus olhos mais ainda, eles brilhavam como se estivessem pulsando algum tipo de energia.

- Eu beijo a cabra, bruxaria ainda respira. - Falou a mulher que flutuava, sua voz era calma e com eco.
Senti uma mão pousar no meu ombro, olhei para o lado e era a minha mãe.

- Mãe, estou com medo. - Afirmei.

- Não se preocupe, filha. Vai tudo ficar bem, eu prometo. - Salientou minha mãe, com um olhar piedoso.

A mulher de branco estava cada vez mais perto, de sua cabeça começou a brotar chifres de cabra, do seu corpo emergiam elementos da natureza, algo do tipo como galhos com algumas folhas presas.

- Cada homem pendurado pelo pescoço sob a árvore do mal, é cada pecado morto pelo seu criador. - Disse a mulher de branco, tão calma e aparentemente tão cheia de paz. E ressaltou. - Deus está morto, Satã o enforcou!

Meu corpo caiu para trás como se eu estivesse caindo em um buraco. Na minha cabeça uma voz dizia: Acorda, Ângela. Você precisa acordar, está tarde. Acorda, você vai se atrasar para a escola.

E acordei.

Abri os olhos e fiquei aliviada que foi tudo um pesadelo, eu ouvia pássaros cantando do lado de fora, aliás, o dia estava incrivelmente lindo. Minha mãe sorriu pra mim e falou: "Eu beijo a cabra, bruxaria ainda respira." E meu quarto foi abraçado pela escuridão, frio e tristeza.

- Nãonãonãonãonão, faz isso parar. Faz ele parar, Deus. Por favor! - Supliquei. E então lembrei do que aquela mulher tinha me dito, imaginei que os sete homens pendurados naquela árvore sobre o meu quintal era Deus, comecei a chorar.

E acordei.

Acordei ofegante, mas não aliviada. Fiquei um tempo na cama pensando sobre o que sonhei, não chamei a minha mãe para me abraçar e dizer que foi tudo um pesadelo, para ser sincera, eu queria que tudo aquilo fosse real, só pelo simples fato de estar com a minha mãe, eu fiquei assustada, mas estava com ela, poderia viver aquele momento várias vezes, valeria a pena, pois estava com ela. Minha mãe morreu na semana passada em um acidente, sinto uma enorme falta dela, sei que ela não vai voltar mais e isso é o que faz minha saudade por ela aumentar cada dia mais. Meu pai perdeu o controle do carro e ele derrapou até uma construção antiga, a lateral do carro foi em direção à um vergalho de aço que iria acertar a minha cabeça, eu estava no banco de trás, minha mãe me segurou pelo ombro e me abaixou, ela foi atingida na cabeça e morreu na hora. Eu poderia viver no pior dos pesadelos, se estivesse ao seu lado, se eu pudesse à proteger, como ela fez por mim. Nenhum pesadelo me assombra mais do que saber que nunca mais vou poder te ver novamente, mãe.

Já sinto tanto a sua falta.

A Biblioteca Localizada Em Minha MenteOnde histórias criam vida. Descubra agora