Capítulo Único

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                                                                              Eu sei que não há nada que eu possa fazer para mudar isso
                                                                                                                Mas isso é algo que poderia ser negociado
                                                           Meu coração já está quebrando, meu bem, vá em frente, torça a faca

                                                                                                                             (Love You Goodbye - One Direction)

Antonella Di Rossi's Point of View

Nada é mais delicioso que aroma da cozinha de casa de vó. Da casa da minha nona era triplamente melhor. A fazenda está lotada esse fim de semana para o reencontro entre os quatro filhos dos nonni Antônia e Antônio Di Rossi e a comemoração de 65 anos de casados deles. Passei minha infância aqui nas férias e tenho um carinho bastante especial pelo local, principalmente quando a noite vai caindo e o espaço do lago vai ficando silencioso. É um ótimo lugar para pensar e escrever.

Andiamo, Antônio! — Nona chama mais uma vez pelo marido que se entretém com os netos — Se deixar, ele passa o dia inteiro na frente dessa televisão.

— Ele gosta, né? — digo, a abraçando — E como stai, nona?

Bene. E tu? Pelo visto melhorou daquela dor do coração.

Ah, sim. A dor do coração partido por um romance que eu achei que seria o amor da minha vida.

— Sim, melhorei. — dou um simples sorriso ouvindo meu pai chamar meu nome nos fundos da casa.

— Vai lá que Vittorio é todo atrapalhado com a churrasqueira.

Meu pai e meus tios estão - se matando - e tentando instalar alguma coisa na área de fora de casa e como uma boa família italiana sempre tem gritaria e discussão. Ao chegar, dois deles estão gesticulando e tentando dizer quem está certo enquanto meu pai aponta com a cabeça para a TV no suporte alto da parede. A famosa repórter brasileira, Louise Frappart, começa a falar o que eu jamais imaginaria ter escutado nesta manhã de domingo.

Como dizem os termos das redes sociais, Neymar here we go para a Arábia também! As negociações estão avançadas, as partes foram ouvidas e o jogador e seu staff estão seguros de uma mudança.

Neymar vai jogar na Arábia? É isso?

— Ele não... ele sim? O que?

— Nella, você 'tá bem?

— Eu preciso de um pouco ar. — não sei a quem respondo.

Com um piscar a barulhenta sala da família italiana se torna silenciosa e os corredores do campo da fazenda tomam ainda mais minha atenção.

— Neymar, o que você fez com a sua vida?

                                                                                                  | 🗼🇫🇷 |

Paris não havia mudado nada desde a última vez que estive aqui há pouco mais de dois anos. O barulho intenso de ambulância ou carro da polícia, as pessoas conversando, restaurantes lotados e a vida cheia de luz de uma cidade bastante cosmopolita.

O problema que a última vez que estive aqui prometi nunca mais voltar foi justamente por conta dele. Neymar e eu vivemos um relacionamento fadado ao fracasso, a verdade é essa. Eram dois mundos opostos que tentaram de todos os jeitos estarem juntos, mas que por um erro tudo acabou.

Foi aqui, há dois anos, que nosso relacionamento deixou de ser perfeito para todos e passou a ser sinônimo de dor e destruição.

— Antonella nunca vai ser a única. — Neymar diz olhando fixamente a tela do computador.

Eram quase seis da tarde de uma quinta-feira e eu estava ouvindo meu namorado dizer que me traía, confirmando o que todos me alertaram e os portais de fofoca também.

— Você não teria coragem de trair Antonella, Juninho. — Gil replica.

— Pensa comigo... Antonella está comigo só em alguns meses do ano, eu estou aqui e posso chamar nossas amigas por mensagens e elas vem. Que mal tem?

— É da mesma Antonella que estamos falando? Porque a sua Anto largou quase tudo para ficar com você, só não digo tudo porque ela trabalha e é muito feliz com o que faz.

— Ela nunca vai saber. — volta a prestar atenção a tela com algum jogo iniciando — E nem precisa.

— Você acha que não?

Foram sete anos acreditando que ele teria mudado porque a maturidade estava atrelada a alguma mudança que só eu quis enxergar.

Foram sete anos construindo um laço entre os meus familiares, que o odiavam, e ele para que eu mostrasse que o nosso relacionamento poderia dar certo.

Foram sete anos que eu amei incondicionalmente o Neymar.

E foram sete anos de um capítulo da minha vida que precisa de um final porque quando eu saí não tive forças para pelo menos dizer adeus. Eu nunca disse nada além de uma mensagem de texto quase que pronto de que precisávamos nos afastar e me culpando por ter sido fria.

Não sei se ele sabe que eu ouvi a conversa, espero que sim, mas a minha família e todos ao nosso redor acreditam que terminamos por incompatibilidade de agenda. Foi o que eu disse em uma nota no Instagram e do quanto respeitava e admirava a pessoa em um story.

Dois anos depois, voltar a cidade que um dia foi tão luz está sendo de treva e cinzas. No entanto eu aprendi que se ele quer encerrar um capítulo aqui, eu também irei.

Neymar Junior's Point of View

Acostumamos, muitas vezes, com a vida que levamos e deixamos que o comodismo nos cerque. Eu estou pronto para, depois de seis anos, mudar novamente de ares e retormar a minha vida que em dois anos deixei escorrer pelo ralo quando Antonella saiu dela.

Antonella e eu nos conhecemos em Santos. Eu e os moleques saímos para resolver algumas coisas, paramos em uma lanchonete e ela estava com as amigas também. Gil foi falar com uma das amigas e eu parei ao seu lado, a vendo sorrir para mim e continuar mexendo no celular como se nada e nem ninguém pudesse abalar o assunto entre ela e a tela.

Minutos depois, levantou pedindo licença e ficou conversando com alguém. Foi ali, em segundos, que eu comecei a me encantar pela mulher que mudou a minha vida. Mas eu não quis mudar por ela.

Antonella vinha de uma família italiana grande, que já conhecia meu lado mulherengo e meu talento com futebol, e que tinha uma boa parte de palmeirenses que sempre faziam questão de lembrar do meu vídeo pequeno falando que amava o time da Academia.

Anto trabalhava com fotografia, ensinava italiano para uma turma de crianças e atendia no seu consultório de psicanálise. Quando começamos a namorar, ela largou quase tudo para viver a minha vida mais do que a dela. E quando terminamos, eu parei de viver a minha vida por culpa dela.

Eu não sei até hoje o que a fez enviar aquela mensagem dizendo que era preciso encerrar nossos caminhos juntos porque estávamos pensando diferentes. Sabia sim que a traía, que tinha sido (ainda sou) um moleque sem nenhuma responsabilidade para ter assumido aquele relacionamento e meses depois começar a traía-la como se estivesse solteiro. Mas eu sei também que ela não sabe porque ninguém, nenhuma das vezes quando estávamos juntos, publicou nas redes e nunca saiu meu nome e o dela atrelado a esse tipo de fofoca.

Prefiro acreditar que ela tenha encontrado alguém que a faça mais feliz do que eu fiz porque ela sempre vai ser o amor da minha vida e não para minha vida.

— Toc-toc! — viro em direção a porta e Gil chama minha atenção — Encontrei perdida no corredor.

Antonella surge na porta do cômodo, depois de dois longos anos, do mesmo jeito que antes. Os cabelos preso em um rabo de cavalo, a maquiagem simples e uma roupa simples também. Ela nunca foi de chamar atenção por exuberância, mas sim pela beleza e simplicidade.

— Posso entrar?

— Claro, pô. — levanto da cama para recebê-la — Fica à vontade.

— Vou deixar vocês à sós.

Anto concorda com a cabeça. agradecendo meu amigo, e o silêncio se faz presente quando a porta se fecha porque não sabemos como iniciar a conversa.

— Então... — coloca as mãos para trás do bolso da calça — Al-Hilal, né?

— Sim, é... isso.

"Sou movido a isso, querer desafios, algo maior, estar sempre me superando". — repete a frase que disse na coletiva de apresentação ao PSG — Talvez essa seja sua superação.

— Anto, eu conquistei muitas coisas na Europa. Fiz meu nome aqui, minha carreira e uma história linda. Não acha que está na hora de escrever uma nova história? Lá tem vários craques, uma liga maravilhosa... não é dos males o pior. Eu não vi ninguém falando isso quando o Ibrahimovic deixou o Manchester United para jogar na MSL.

— Bom, eu não acho que você tenha que comparar a sua história com do Ibrahimovic. — dá de ombros — Eu só vim terminar o que deveria ter feito há dois anos.

— Eu entendi que havíamos terminado.

— Ainda bem que entendeu porque terminamos mesmo, mas eu ainda não tinha encerrado cem por cento a nossa história.

— E eu estava pensando nela antes de você chegar.

Quando Antonella está com um pouco de rancor no coração, sua postura trava e ela mantém uma voz mais firme. Dessa vez não é diferente.

— Pensando na nossa história? Que foi fadada ao erro desde o início?

— Não foi fadada ao erro desde o início, Anto. Eu te amei e muito!

— Quem ama não trai. — então ela sabia? — Quem ama pode errar sim, somos passíveis a erros, mas nenhum desses erros devem ser ligados a traição. Quando você trai, o fio de confiança se quebra. Quando você trai, o amor vai embora. Eu te amei muito, Neymar, até mais do que você possa imaginar e do que eu suportei amar sozinha na nossa relação... — ela olha para o lado segurando as lágrimas — mas a verdade é que eu precisei ouvir a verdade saindo da sua boca para perceber que eu amei o Neymar errado. Eu amei o Neymar que eu criei.

— Anto... — tento me aproximar e ela recua.

— Eu abdiquei sete anos da minha vida pela sua. Eu deixei de lado portais de fofoca e deixei de ouvir a minha própria família para sustentar uma relação que não teria nem sequer um começo. E eu errei muito em não ter terminado naquele dia... mas eu fui fraca e covarde.

— Que dia? — arqueio a sobrancelha.

— O dia que você e o Gil estavam conversando, na sala de jogos, e você admitiu que iria me trair mais uma vez e ainda soltou um "que mal tem?". Foi o mesmo dia que eu enviei a mensagem.

— Você estava aqui?

— Eu iria fazer uma surpresa. Não falei com ninguém que vinha, nem mesmo o Gil sabia. Cheguei, o Mauro levou até um susto e me disse que vocês estavam na sala de jogos e que não tinha muito tempo que tinham voltado do treino. A porta estava aberta e eu escutei. Ninguém me contou.

— Você passou quantos dias aqui?

— O que isso importa, Neymar? Vai reembolsar o dinheiro da passagem e hospedagem?

Ela quase não ficava aqui quando vinha.

— Eu saí daqui prometendo nunca mais voltar e digitando a mensagem para o celular com pressa. Me culpei por dias por ter sido grosseira, por ter terminado por mensagem e por ter feito o que eu jamais pensei em fazer: mentir para a família sobre o nosso término porque eu não queria que eles quebrassem a imagem reconstruída que tinham de você.

— Eles me odeiam?

— Eles não sabem de nada porque do mesmo jeito que naquele story eu disse que te respeitava e admirava, eu também disse a eles que nós tínhamos entendido que havia uma incompatibilidade de agenda e resolvemos terminar. Mas eu deveria ter feito o contrário.

— Desculpa, Anto. — ela me olha, cruzando os braços abaixo do seio — É só isso que eu posso dizer. Eu não mudei como queria, mesmo que a minha vida tenha mudado depois que você surgiu e saiu dela. Eu te amei muito, acredite, e lembrei da nossa história porque eu não sou o mesmo desde o término.

— Não minta para você, Neymar. Pode mentir para quem quiser, mas não para você. A mudança parte de quem deseja mudar e você nunca quis mudar porque não amadureceu essa ideia. Quando entendemos que podemos mudar por nós, não por a ou b, simplesmente mudamos.

— Acha que eu vou amadurecer quando?

— Não acho que vá amadurecer algum dia.

— ANTONELLA!

Minha mãe quebra totalmente o clima e sai puxando minha ex namorada do cômodo para questionar sobre a sua vida pós término.

— Como estamos? — Gil pergunta.

— Acho que agora foi o fim mesmo.

Antonella ainda passa um tempo com meus pais, Davi e Rafaella. Ela ainda é diversão quando o assunto é videogame com os caras e eu só fico olhando e entendendo tudo o que eu perdi.

— Chegou a hora de eu ir. — ela anuncia, levantando do sofá.

— Quer que o Gil te leve? — minha mãe questiona.

— Não precisa, Nadine, o Enrico deve está chegando.

Enrico? Quem é Enrico?

— Eu só queria conversar com você um minuto, pode ser? — pergunto.

— Claro.

Ela se despede de todos e vamos até o jardim. Como normalmente costumávamos fazer e algo que ela ama.

— Então esse é o nosso fim? — pergunto com receio.

— Esse é o nosso fim. — afirma — Eu queria que tivesse sido diferente e acho que lutei bastante pra isso, mas nem sempre o amor da sua vida é o amor para a sua vida. Acho que assim como você está encerrando sua história aqui em Paris, nós devemos também encerra-lá. Todos nós temos uma e alguns capítulos escritos em nosso livro da vida e não custa nada pôr um ponto final neles.

— Esse está custando o nosso amor.

— Antigo amor, Neymar. Devemos seguir em frente e sermos felizes.

— Você não quer tentar mais uma vez? Podemos fazer diferente... eu posso fazer diferente.

— Você não se apega a nada, Neymar. A nós, então, foi o que menos se apegou. Como disse, está indo escrever uma nova história e eu torço, de coração, para que dê certo e que possa ser feliz e jogar bola como deseja fazer.

— Nossa história não pode acabar assim.

— Foi você quem decidiu dar esse fim.

Ela dá costas, ligando para o tal do Enrico, e eu fico aqui pensando em como eu fui o idiota da história em deixar Antonella ir embora.

Esse aqui foi o nosso fim.


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
(Ausência - Vinicius de Moraes) 

The EndOnde histórias criam vida. Descubra agora