Capítulo I

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Nakahara Chuuya, 16 anos, estava no segundo ano da Escola de Artes de Yokohama, seu primeiro ano havia sido perfeito, não vira nem trocara uma única palavra com nenhum outro aluno. Apenas com professores, e às vezes ficava dias à fio sem ouvir sua própria voz. Mas já estava acostumado.

O ano acabara de começar, e ele começava a relembrar dos professores dizendo aos alunos novos que passassem suas horas vagas no pátio, para ter mais inspirações e conversarem uns com os outros. "Quem sabe vocês até façam amigos".

Chuuya não tinha amigos, não por falta de carisma ou de educação, não porque afastava os outros - não com intenção - era porque ele tinha seríssimos problemas com interação - como uma pessoa autista e com ansiedade social.

O a luz do quarto estava apagada, a iluminação se dava suficiente apenas com a luz da janela. Ele estava sentado em frente ao cavalete, encarava a tela em branco com aflição havia minutos, o pincel seco em sua mão fazia tudo piorar. Ele não fazia ideia do que pintar.

Em um ano de escola ele piratara várias coisas à mando dos professores, ele mantinha esses quadros ao lado da cabeceira da cama. Quando não tinha ideias olhava na janela e pintava as pessoinhas lá em baixo. Não se importava em conhecê-las, tinha em mente que logo pedeceriam, como um típico humano, e a pior coisa que poderia fazer era se apegar à eles.

Ele se sentia estranho pensando isso, como se ele também não fosse um humano. Ele era. Só não o tipo favorito da sociedade.

Sua adolescência não havia sido das mais fáceis, os outros o deixavam de lado por suas diferenças, o tratavam como uma criança incapaz, ele não era incapaz. Nunca foi. Mas aquelas frazes ecoavam na cabeça dele, e só de ver pessoas com características minimamente semelhantes à deles Chuuya sentevum frio na espinha.

Ele tem olhos azuis e cabelos ruivos muito avermelhados, e isso causava estranheza nos vizinhos, professores, diretores, alunos... todos. No Japão era praticamente impossível que você nascesse ruivo. Por isso o tratavam como estrangeiro, não seria tão ruim, se não fosse todos os dias.

E durante a adolescência, nos questionamos sobre coisas que mais parecem pensamentos intrusivos. Ele estava desde sabe-se lá quando pensando nisso, e, mais ou menos, naquela época mesmo ele se assumiu para seus irmãos. Mas seus pais tinham olhos e ouvidos em todos os lugares, e dinheiro o suficiente para sumir com um filho sem que ninguém dissesse uma vírgula sobre.

Ele tampa as tintas e guarda em sua caixinha por ordem de cor e favoritismo. Os pincéis num estojo organizador extenso onde cabem dos maiores aos menores pincéis e rolos de tinta, põe ambas as coisas na mochila. Dobra seu cavalete e segura debaixo de um braço e a tela de outro.

Finalmente deixa seu quarto para algo que não uma das aulas diárias ou duas sessões de terapia semanais. Ele dava bom dia para o porteiro sempre que passava por ele, num aceno com a cabeça e uma feição inexpressiva por parte de ambos. Gostava daquele senhor.

O pátio estava lotado - na visão de Nakahara -, ele engole em seco se dirige à um lugar vazio, num canteiro em que a árvore ainda era baixa demais para fazer sombra. Ele gostava da luz do sol, apesar de estranhar a sensação quente em sua pele por muito tempo. Ele respira fundo e hidrata os lábios com um hidratante com essa finalidade.

Ele se sente observado.

Abre sua caixa de tintas e acomoda ao seu lado direito e o estojo de pincéis ao seu lado esquerdo. Ele já havia preparado a tela havia tempos, ele hesita antes de olhar para as pessoas ou para os lugares, e se sente mais à vontade quando percebe que ninguém olhava para si, estavam todos presos em suas próprias atividades. Ele suspira aliviado revelando um leve sorriso. Ele se encontrava virado contra o prédio, observando o jardim e as pessoas ao redor. Haviam também alguns pássaros, folhas caindo, gente rindo e conversando alto, ele resolve pintar isso.

Entre tintas e cartuchos - SoukokuOnde histórias criam vida. Descubra agora