Durante a Guerra dos Ductos, não houvera sangue, mas foi de longe a mais difícil e importante das batalhas que já tracei, e sem sombra de dúvidas, a mais valiosa vitória que já alcancei.
Todos os nascidos em meu mundo, nascem com um único objetivo: crescer e esperar o dia de partir para a guerra. O que é estranho, haja vista que não há um inimigo em especial, nossos inimigos são nossos companheiros, amigos, parentes.
Como assim? Você pode estar se perguntando.
Isso que irei lhe contar agora, pois até o momento ninguém jamais fora capaz de lembrar de tal época, mas todos passaram pela mesma.
O país de onde venho chama-se Epidélio, os nascidos nesse lugar recebem a terminologia de Epidelinianos. E apesar de totalmente desconhecido, nosso país é um antigo, mais antigo que todos os outros. Antes mesmo da primeira população existir, nossa terra já era uma nação.
Não temos um governante especifico, mas há para nós algo semelhante ao Deus de vocês. Como sabemos disso? Pois há uma relação entre eles (os deuses). Nós nunca vemos a face do nosso, assim como vocês, nós nunca escutamos o nosso, não nitidamente, mas hora ou outra escultamos fortes urros e estrondos vindos do céu, e se isso não é um sinal divino, não sabemos o que pode ser.
Todavia, diferente de vocês, em nosso mundo, pregam que conseguimos nos tornar com nosso Deus. E essa esperança, essa maldita esperança, é o que dar sentido a nossa vida, é o que ocasiona em todos a determinação descontrolada durante a guerra.
Ao nascermos, somos indefesos e nem ao mesmo conseguimos nos mover sozinhos, é preciso um período de tempo para que consigamos desenvolver membros capazes de nos obedecerem, e basta alcançarmos tal capacidade, que já somos treinados para ir à guerra.
- Afinal, o que é essa guerra?
Um colega meu perguntou certa vez na sala de treinamento.
- Tais perguntas não precisam ser feitas ou respondidas, é algo intrínseco a nós, quando estiverem lá, saberão o que fazer.
Foi o que a instrutora nos falou.
- Mas, e se
- Nada de perguntas n° 10835.
Sim, não recebemos nomes em meu país, somos numerados de acordo com a ordem de nascimento. Isso ocorre para mostrar que não somos especiais, que todos somos iguais e capazes de alcançar o objetivo final de nos tornamos Deus após vencermos a guerra. E só então, só então seremos especiais a ponto de recebermos o nome. Só Deus tem um nome em nossa cultura.
- Se não podemos perguntar, por que estamos aqui "nos preparando"?
Perguntei meio que automaticamente, e sem perceber, foi quase que um pensamento em voz alta.
- E essa foi outra pergunta.
Respondeu a instrutora me ignorando.
Nosso treinamento tinha tempo indeterminado, as vezes ocorria entre períodos curtos de tempo, em outros momentos, demora-se anos e anos entre uma e outra. E nesse período de tempo, nós acabamos criando intimidade uns com os outros. E aí está o problema.
Em nosso país, não há intimidade, pois somos ensinados que em algum momento lutaremos uns com os outros, e se lutar é difícil, lutar contra quem se gosta é ainda pior. Mas, é praticamente impossível não criarmos vínculo. E foi isso que ocorreu.
No dia 6574 da existência de nosso planeta, e no nosso 2191° dia de existência, conheci ela, a n°17594. Ela era deslumbrante, tinha a maior e mais bela cauda que eu já vi, sua aura era tão grande que nem se quer era possível se aproximar tanto assim.
E o pior, ela além de linda era carismática, fazia até com que pensássemos: ela seria uma Deusa linda.
E era justamente esse pensamento que não queria, como eu poderia, durante a guerra, matar ou empurrar alguém como ela em uma ribanceira? Isso mesmo, eu não seria capaz, por isso a evitava como o diabo evita a cruz.
Mas, foi um dia qualquer, que recebi a noticia por intermédio de meu comunicador, que eu descobri que a minha tarefa básica da semana seria dividida com ela. Sim, estava lá no aviso semanal:
Manutenção das fronteiras: n° 17594 e n°10010.
Eu fiquei apreensivo, não sabia como faria, mas sabia que teria que evita-la, pois parecer um babaca era melhor que ser um babaca perdedor na guerra. Foi o que eu pensei.
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O Eu em ascensão
Short StoryNa grande maioria das histórias sobre guerras, um inimigo maior é o responsável por toda preparação e derramamento de sangue que tais batalhas ocasionam. E se a sua existência dependesse de sua vitória de uma guerra traçada contra seus próprios fami...