1- Parabéns para mim

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Eu estava andando pelo meu distrito como eu faço todos os dias. As calçadas são irregulares desde que nasci e nunca foram consertadas, as fábricas de polimento de minérios luxuosos e o céu sem nuvens estavam os mesmos de sempre. Porém, havia algo que mudava o clima do distrito inteiro. É meu aniversário, e isso só pode significar uma coisa, também é o dia da colheita. Meus aniversários sempre são dias de colheita.

Não sou a favor da punição que a capital impôs a todos os distritos anos atrás: "24 crianças com idade de 8 a 18 anos se enfrentarem em uma arena até que sobre somente 1". É desumano, mas não posso mudar o destino, nem a história. É melhor dançar conforme a música. Jogar conforme o jogo.

Chego na academia onde treinei desde os meus 8 anos de idade. Vejo o meu treinador sentado em uma cadeira com uma expressão pensativa e, de certa forma obscura. Decido chegar mais perto para conversar com ele.

-Você está bem?. - questiono.

-Gabrielly, ainda bem que chegou. - Sua feição mudou subitamente e ele me olhou nos olhos - Sabe o que tem que fazer este ano, certo? Não me obrigue a repetir."

Meu coração tem um impulso forte, sim, eu sei exatamente o que tenho de fazer: me voluntariar para ir a uma arena na qual terei de matar 23 crianças e adolescentes inocentes.

Sendo do Distrito 2, eu deveria ter o mesmo pensamento sádico das pessoas do meu distrito, mas não consigo de forma alguma. Não tenho o menor interesse em participar desses malditos Jogos Vorazes. Todos aqui acreditam que os jogos são a maneira do nosso distrito se destacar dos demais, de estarmos mais próximos da realidade da capital do que dos demais distritos. Acham que a capital nos bajula e nos vê como favoritos. Pura mentira.

No fundo eu sei que nós, dos distritos mais altos, criamos carreiristas como um escapismo da realidade em que estamos inseridos. Nós somos marionetes da capital de qualquer forma. Vencer mais ou menos que os outros distritos não nos faz menos vítimas.

- Sabe, vocês não podem me obrigar a participar..." - começo a dizer, mas logo sou interrompida.

-É, realmente não podemos, mas você sabe o que acontecerá com a sua doce mãe e o seu pobre irmão caso você não participe. - ele sussurra em um tom medonho. Eu fui condenada a vida de carreirista assim que o distrito soube do meu talento lutando. Eu era uma das crianças mais aptas a ser voluntária, então nunca tive liberdade de tomar minhas próprias decisões. Tudo que pude fazer nos últimos 10 anos foi treinar para vencer os jogos. Deus sabe o que aconteceria com minha família caso eu decepcionasse todo o resto do distrito.

Engulo seco a saliva que se espalhava pela minha boca, sei que não tenho opções. Sou eu e minha família ou apenas eu, e a resposta é clara na minha mente. Apenas faço um gesto de concordância para ele e me desaproximo. Foi programado que quando eu completasse 18 anos eu iria me voluntariar, e esse dia é hoje.

Olho para a academia, talvez essa fosse a minha última vez lá. Sigo em direção à praça central do distrito, meu vestido pinicava meu pescoço mas todos usam roupas elegantes nos dias de colheita. Depois de marcar minha presença com os pacificadores da capital, eu espero em uma imensa fila de garotas. No lado oposto eu observava os rostos da fila dos garotos. Algumas crianças estavam tão pálidas que pareciam que iam desmaiar a qualquer momento.

Enquanto isso, uma mulher com cabelos cacheados e de cor alaranjada subiu no palco, ela usava um vestido extremamente cheio e um casaco que parecia de couro. Ninguém se vestiria assim no dois, é luxo demais. A mulher, que não devia ser muito mais velha que eu, se direcionava para onde as enormes esferas com o nome de todas as crianças estavam. E então começou com aquele discurso de todos os anos.

- Bem-vindos, bem-vindas e bem-vendes à 60ª edição dos Jogos Vorazes! Sou a Bia e acompanharei os futuros tributos do distrito dois. Tenho que dizer que é muito animador estar aqui hoje! Olhem essas crianças, Panem! - As câmeras agora estavam viradas para nós - Todos com tanto potencial para serem novos vencedores! Hoje, irei sortear um garoto e uma garota que irão representar o Distrito 2 nos Jogos deste ano. Que a sorte esteja sempre a seu favor! Vamos começar pelos garotos dessa vez."

Ela vai saltitando alegremente até um dos globos - como alguém pode estar tão feliz de sentenciar alguém a morte? - e lentamente, como se fosse uma criança ganhando um presente de natal, tira um dos papéis. Ela abre o papel com um grande sorriso no rosto.

- E o garoto do distrito dois deste ano é... Marcos Borcate!

O garoto então sai da fila dos meninos e segue em direção ao palco. Ele aparentava ter minha idade, tinha cabelos castanho claro e olhos escuros. Ele era extremamente atraente, com certeza ia se dar bem na capital. Lembro de vê-lo algumas vezes nos treinos, nos quais as crianças escolhidas a partir dos 8 anos são obrigadas a entrar para se prepararem para os jogos (ou para se tornarem pacificadores), no entanto, nunca tinha tido uma interação muito complexa com ele.

Então começaram as comemorações, gritos alegres tão altos que parecia que os jogos nem eram um genocídio infantil. Eu bati palmas. Todos comemoraram a ida do garoto até o pequeno palanque e a mulher o recepcionou com um aperto de mão e um grande sorriso. A gritaria só se encerrou quando ela retornou a falar.

-Sim, sem dúvidas você será um excelente tributo - Ela falou para Marcos e depois se voltou novamente ao resto do distrito. - E agora, sem mais delongas, vamos sortear o tributo feminino.

A mulher se dirigiu com pequenos pulinhos ao outro globo. Enquanto isso, sinto um arrepio em minha nuca e olho para trás. Meus olhos encontram com o do meu treinador, ele olhava tão sombriamente para mim que lembrei que os jogos seriam fácil em comparação ao que eu sofreria se ficasse no distrito. Eu sabia o que precisava fazer e, para proteger minha família, eu não terei medo nem por um minuto. Comecei a andar para frente, em direção ao palanque, e então gritei:

- Eu me ofereço como tributo! - digo, tentando ser corajosa.

A mulher remove sua mão de dentro do globo, antes de sequer encostar em qualquer papel. e abre um sorriso que eu pensava ser humanamente impossível.

"Excelente! Vejam só Panem, temos uma voluntária! Querida, suba até aqui." - diz a mulher com voz ficando um pouco mais aguda por conta de sua animação. Agora todas as câmeras estavam viradas para mim.

Vou andando com a melhor postura que eu conseguia ao encontro dela e do garoto. Apertamos nossas mãos. Ela me encara com seu olhar sorridente e se vira para as câmeras para encerrar seu discurso. Quando ela termina, se vira para nós e nos guia até um grupo de pacificadores. Fui levada a uma sala fechada e confortável, onde esperei sozinha até um pacificador chegar com meu irmão, Nicolas.

-Gabrielly! - Gritou Nicolas. Ele corre em minha direção desesperado e em lágrimas, ele me abraça tão forte que fico sem ar por alguns segundos. Eu tento limpar seu rosto molhado. - Por que as coisas precisam ser assim? Por que você precisa se voluntariar? - Ele soluçava tanto que era dificil compreender todas as palavras.

-É como as coisas são, você sabe. - Agora era eu quem tinha lágrimas escorrendo pelo rosto- Mas eu vou lutar maninho, você vai ver que serei forte. Não posso te prometer que voltarei, mas tudo é por você. Não se preocupe Nico, você vai ficar bem. A Mamãe irá cuidar de você, tá? Se comporte, vá bem na escola, trabalhe duro. Eu te amo. Muito.

Meu pai faleceu por excesso de trabalho. Os gases tóxicos exalados na caldeira da refinaria fizeram um mal danado para os pulmões e meu velho não conseguiu resistir, apesar de ser um homem corpulento e relativamente novo. Minha mãe faz algumas costuras sob encomenda para algumas mulheres mais afortunadas do distrito, mas seria impossível manter a família com essa renda. Então tive de ingressar cedo na carreira de refinadora de minérios. Eu trabalhei na refinaria de joias desde os meus quinze anos de idade. Nesse meio tempo, me afastei bastante de Nicolas, mas ele entendeu que era para o nosso bem. Sinto tanta pena dele por ter sido uma irmã tão ausente.

- Eu beijo sua testa e ficamos abraçados em silencio por um tempo até que um pacificador chegue e o tire de mim. Na próxima meia hora eu tive um ultimo contato com minha mãe e conhecidos. Meus amigos próximos trouxeram um bolinho e cantamos parabéns. Me despedi de todos e não consegui esconder as lágrimas.

Era o dia mais triste da minha vida.

Jogos Vorazes: Gabrielly e MarcosOnde histórias criam vida. Descubra agora