Capítulo 5: 'Serenidade'

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De pronto, notou a atmosfera mudar. Estava a poucos metros do portal do vilarejo, que permanecia descerrado, quando o sol se desabrochou das nuvens carregadas, trazendo consigo os sons da natureza que despertavam a paz e a prosperidade. Os pássaros acompanhavam uma cantoria comumente agradável. Vozes de crianças, risos otimistas, finalmente completavam a sinfonia de concórdia. Lin ergueu os olhos da vegetação rasteira e bem cuidada do local e se fixou adiante. Pessoas dispostas e felizes passavam para lá e para cá com mercadorias, crianças implicavam umas com as outras e no fim deitavam no gramado se acabando de tanto rir, maridos beijando suas esposas e dizendo coisas doces... um lugar que certamente Lin não estava acostumado a frequentar; ou quem sabe porque, onde quer que fosse, a paz perdia o seu brilho natural. Continuou dando passos adiante, examinando os rostos mais próximos afim de eleger, por meio de critérios próprios, qual seria o mais indicado para lhe passar informações. Viu de relance uma mulher parda recostada na cerca de uma plantação próxima. Ela escondia o rosto entre os cabelos cacheados e castanhos, embora passasse a Lin a ligeira impressão de estar monitorando alguém ou algo. A mulher atravessou o portão e desapareceu de vista.


Uma menininha correu até o jardim, pegou uma rosa, e correu até Lin, entregando-a.


– Para você, moço – disse ela, com sorriso e olhos radiantes.


Lin segurou a flor, ainda em torpor por causa das novidades. Os pais da criança o cumprimentavam alegremente.


"Bem vindo a Serenidade", dizia um letreiro na entrada do ambiente. Lembrou-se das indicações nas placas anteriores. Viu-se entre todas as pessoas alegres, porém, isso sequer o irritava. Considerava a cena estranha, curiosa. Seu tempo ali, talvez, seria diminuto. Caso demorasse, hospedar-se-ia em algum estabelecimento em troca de serviços gratuitos.


Atravessou a multidão bem-humorada até chegar num pátio do vilarejo, sem tantas pessoas. No minuto seguinte, uma cena que congelou seus olhos. Algo que misturou suas noções do novo mundo paralelo com a realidade do dia-a-dia: Alexander estava lá, sentado num banquinho de mãos dadas com... sua irmã, Louise. Outra vez!


Certamente o que aconteceu a seguir não foi nenhum efeito paranormal, nem magia do novo mundo paralelo. O cenário de bondade se apagou dos olhos de Lin de modo que tudo ficasse quase negro, restando apenas um caminho pouco-iluminado entre ele e o casal. As pernas de Lin andaram automaticamente, reduzindo cada vez mais a distância entre os três. No segundo seguinte, estava com uma pá gigante de cavar nas mãos, pronto para...


Louise gritou agoniada. Viu o amante cambaleando até a cerca da fazenda; os dedos inutilmente procurando estancar o volume de sangue que jorrava do corte na nuca. Com dificuldade, encarou o olhar em chamas de Lin.

À medida que os moradores da vila se aproximavam da cena, formando um círculo em volta da área de conflito, o dia foi se transformando em noite rapidamente. O negro da noite, por sua vez, foi dando lugar a um escarlate caótico. Todos olhavam para Lin, que certamente estava quebrando a magia do lugar.


A mulher que guarnecia o portão do lugar se aproximou. Lin se assustou. Era Fran, sua colega de faculdade, apontando-lhe uma faca que beijava seu pescoço.


– Suma desse vilarejo, traidor – proferiu, transparecendo sua fúria quase descontrolada.


Os demais moradores ergueram suas ferramentas de trabalho que serviam como armas. Pás, martelos, machados, bastões e tudo o que conseguiam improvisar como defesa.


Lin, ainda portando-se com a mesma indiferença de sempre, deixou a vila, mesmo sem escutar os burburinhos de vaias. No portão não mais se anunciava "Bem vindo a Serenidade". Agora, estava escrito "Bem vindos ao Caos".


Continuou caminhando, até adentrar a próxima vila.

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