🎶🎵Capítulo 1 - Uma centelha entre as gotas de chuva🎶🎵

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Há um mito grego que diz que nossa vida não passa de um fio tecido pelas três Moiras que determinam o nosso destino no momento em que nascemos até o dia da nossa morte. O meu fio está prestes a ser cortado, não por uma das três Moiras, mas por mim mesma. Do alto desse parapeito tudo parece minúsculo. A ponta de minhas sapatilhas, estão há apenas 30 centímetros para fim de tudo. Um único passo para o alívio da dor que oprime o meu peito a cada inspiração nos últimos meses. Talvez a dor sempre estivesse ali, e eu só tenha percebido agora, quando já era insuportável respirar. Talvez eu tenha me enganado em cada sorriso falso, em cada saudação educada, em cada declaração inteligente. Na persona que criei para atender as expectativas dos outros. Agora essas desculpas desvaneceram com o meu último raio de esperança que me segurava à vida rompido naquele consultório médico.

— Senhorita Long., sinto informar que os resultados dos seus exames indicam que os sintomas de rigidez que você tem apresentado nos últimos meses é decorrente de um quadro de Parkinson precoce.

Recebi o diagnóstico do neurologista como uma inocente recebe sua sentença de morte. Atônita, sem reação, sem mover nem um músculo, sem ao menos processar o que o Dr. Carson explicava. Um turbilhão de pensamentos varria minha mente me envolvendo em uma bolha de desespero.

"Parkinson precoce? Sou muito jovem para perder tudo! Vinte anos de estudo de piano clássico escorram pelo ralo. Logo agora começaram a me comparar com minha mãe. Como vou suportar o olhar de decepção dela quando não conseguir tocar La Campanella de Liszt com maestria? Para ela, nada é aceitável a não ser a perfeição. Ela dirá que não me dediquei o suficiente. Por mais que eu me esforce, não sou boa o suficiente. Essa é a dura verdade. É o que todos os músicos da Julliard vão sussurrar pelas minhas costas com olhos desdenhosos. Vão dizer que sou apenas uma Carter no nome; que nunca chegarei aos pés da minha mãe, a grande pianista virtuosa Lydia Carter. Como vou andar de cabeça erguida em meio aos músicos do Lincoln Center? Como vou suportar seus olhares de pena e comentários hipócritas? Não quero envergonhar o nome da minha família. Se pelo menos tivesse me esforçado mais antes de toda essa merda acontecer, talvez minha mãe...não, minha mãe jamais se orgulharia de mim."

Perambulei pelas ruas lotadas com o tráfego pesado de pensamentos buzinando em minha mente, embaçando todos os meus sentidos. Não percebi que a noite havia chegado, nem que estava esbarrando nas pessoas nas ruas. Tampouco senti as bolhas que machucavam meus pés, nem o toque constante do meu celular. Não queria ir para casa, só queria ficar sozinha. Continuei andando acompanhada pela agoniante sensação de estar pisando em areia movediça e que, se eu parasse, o chão me engoliria. Parei apenas quando me deparei com uma escada de incêndio, e não sei como consegui escalá-la e acabei subindo nesse parapeito.

Inspiro profundamente, ando até a borda e olho em direção para baixo. O vento sopra em meus cabelos. A altura me atrai com uma força inexorável. Será essa a minha única opção? Será que devo continuar respirando só mais um dia?

Um trovão ruge como um tímpano anunciando uma tempestade. Gotas frias de chuva atingem meu rosto lavando minhas lágrimas. A natureza chora comigo, ressoa a dor engasgada em meu peito. Suas nuvens espessas encobriram há muito as estrelas, apenas o brilho tímido da lua minguante desafia a noite escura. 

  A luz débil da lua resiste, revestindo as gotas de um brilho prateado, de um estalar lúgubre. Reconheço o padrão, noto cada nota se mesclando em variações melódicas, emudecendo a cacofonia de ruídos que me envolve. A melodia nasce em Adágio Sostenuto preenchendo ar de melancolia. Respiro fundo e fecho os olhos, me deixo levar por cada nota que flutua no ar e cai gelada em minha pele, envolvendo o meu corpo. Abro os braços, os dedos deslizam e, instintivamente, reproduzo o primeiro movimento da Sonata ao Luar de Beethoven. Talvez ele deva ter sentindo o mesmo, quando a música esvaiu entre seus dedos por conta de uma maldita doença. Talvez tivesse planejado um último concerto ou uma última performance. Tal como eu, que toco a última música apenas com a lua como testemunha antes de mergulhar no abismo.

Uma Sonata para Duas Almas PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora