Becos

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Respiro fundo e abro os olhos, sinto uma brisa ligeiramente mais fria do que o normal na minha pele, estou numa cidade diferente mas com o mesmo propósito, continuar um trabalho de anos.

Observo o cenário em volta, há nuvens nos céus mas isso não impede que existam turistas em todos os cantos, cafés cheios, música a entoar pela rua, a olho nú tudo parecia perfeito, um dia normal como todos os outros.
Vou descendo as inúmeras colinas desta cidade, passando das ruas largas e renovadas para as ruas mais estreitas e escuras da invicta.
Encontro-me neste momento na Rua Escura, tenho que ter cuidado, sei que não é dos locais com melhor fama no Porto mas é precisamente por essa razão que aqui estou.

Continuo o meu percurso, sinto os olhos curiosos e desconfiados dos moradores em mim, sou mais uma estranha a passar pelas ruas que eles consideram suas, nunca aqui estive, longe disso, mas sei exatamente onde ir só precisava de encontrar a porta com o símbolo que eu já tão bem conheço.

Finalmente chego ao meu destino, deparo-me com uma porta alta vermelha, um pouco desgastada como todos os prédios em volta, toco na maçaneta quase tão fria como o revólver que sentia pressionado contra a pele da minha cintura e tento abrir a mesma como me foi indicado. Já dentro do edifício olho à minha volta, a luz é pouca, as paredes cobertas de grafitis do corredor são iluminada apenas por uma lâmpada solitária, no fundo desse corredor eu conseguia ouvir vozes, aproximo-me com prudência, sabia que não havia volta a dar a partir deste momento.

Quando chego ao limite daquilo que parecia ser uma cozinha vejo quatro homens sentados à volta de uma mesa coberta de cartas, cinzas e garrafas. O ar estava coberto de fumo, o cheiro a tabaco e a drogas foi a primeira coisa que os meus sentidos captaram ao mesmo tempo que eu tentava não mostrar sinais de desconforto.

"Olá cavalheiros, sei que estavam à minha espera, estou aqui por conta do Rafael..." Na realidade o Rafael não sabia quem eu era nem que estava aqui em nome dele.

Os quatro homens olham para mim com ar desconfiado, tento mostrar confiança, sempre fui muito boa a conseguir manter um olhar frio e sério.

"Ahh Filipa, é esse o teu nome certo? a encomenda está ali na porta da esquerda, estás à vontade minha querida." diz um dos homens enquanto me piscava o olho e me olhava de cima a baixo, gesto com o qual já me tinha habituado com homens neste meio.

Retiro um envelope que levava dentro do meu casaco e coloco o dinheiro na mesa, olho para eles uma última vez e de seguida sigo para a porta da esquerda.

Lá dentro não havia qualquer mobília, apenas duas malas de viagem pequenas cheias de pacotes de cocaína e uma mochila no canto da sala.
De imediato dirijo-me à mochila tentando não fazer barulho, era extremamente importante obter o maior número de informações que conseguisse, era por causa daquela mochila que eu ali estava.
Eu sabia que lá dentro iria encontrar um pequeno caderno com as informações das próximas entradas de droga naquela parte da cidade.

Junto com as datas e locais encontrei também um nome, o nome da pessoa que iria fazer a próxima recolha e distribuição pelo norte do país, achei curioso ser o nome de uma mulher, não consegui evitar de imaginar como essa pessoa seria, talvez fosse alguém com mais idade pelo menos era isso que aparentava.

Tirei fotografia a tudo o que consegui, peguei numa das malas de viagem e avisei os quatro homens que estava de saida, eles olharam para mim uma última vez "Sempre bom fazer negócio com o Rafa, espero que ele continue a ser leal a quem sempre foi leal com ele" diz o homem com quem falei anteriormente.

"Claro, não precisas de te preocupar com o Rafa, o negócio tem explodido desde que começamos a trabalhar com vocês, o futuro é brilhante" digo com um sorriso enquanto saia pela porta vermelha.

Encontrava-me agora novamente no coração da cidade, rodeada de pessoas normais a viver vidas normais, quem via uma cidade tão viva e leve não tinha noção do que acontecia nos becos da cidade, onde os olhos não chegavam... e eu fazia parte desses dois mundos agora.

Quem olhasse na minha direção diria que eu era uma mera turista com uma mala de viagem desesperada para chegar ao seu Airbnb e viver as suas férias de sonho. Bom, a realidade não poderia estar mais distante, mas era nisso que eu queria fazer as pessoas acreditar.

Assim que chego à pequena casa na periferia da cidade onde estava a morar temporariamente solto um suspiro de cansaço misturado com alívio. Tinha concluído os objetivos do dia e o meu desface continuava intacto, mas tudo estava apenas a começar e o futuro era incerto, tinha que ter todo o cuidado e mais algum, não podia cometer qualquer erro e arriscar esta missão e a minha vida.

Entretanto tinha começado a chover lá fora, já estava escuro e não havia muito mais a fazer para além de escrever o relatório e juntar as fotos ao arquivo.

Dirijo-me à pequena casa de banho naquele apartamento e começo a despir-me, precisava de tomar um banho frio para relaxar, olho-me ao espelho e não consigo ignorar a marca que tinha no meu ombro esquerdo, passo lá a mão como tantas outras vezes e ao fim destes meses todos ainda sinto a dor que aquela bala me causou...

Sei que não posso voltar a baixar a minha guarda, esta operação depende de mim e nada se vai meter no meu caminho outra vez.

-x-

Bom 👏 está aí uma pequena introdução onde muito pouco é revelado 😌 stay tuned para o slow burn de milhões.

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