Liberdade por um dia

Nada importa.

Às vezes, eu me sinto a pessoa mais lúcida e iludida do mundo todo.

Antigamente havia todas aquelas "regras" para ser bonita: seu pé tinha que ser pequeno, sua testa grande...

E então as moças deformavam o pé com um sapato minúsculo ou faziam tudo para puxar mais a testa.

Nos anos 50, a tendência era lábios pequenos.

Não duvido que as moças faziam de tudo para diminuí-los.

E então, agora, os lábios grandes são bonitos.

E é assim que um monte de gente faz preenchimento labial.

Como uma mulher instruída, racional, você vê as besteiras disso tudo.

Por que ter vergonha dos pelos do buço, dos seus lábios, do seu nariz? Isso é ridículo.

E ainda assim, quando você menos percebe, você também está se preocupando com isso.

Antes eu me achava feia, depois comecei a me considerar decente, e chegou no momento que me sinto "bonita".

Com o passar do tempo minha relação com meu reflexo melhora.

Mas tem uma parte dentro de mim que é cruel, rancorosa e impiedosa.

Há uma parte de mim que jamais irá me perdoar por não nascer bonita.

E eu não digo no estilo do padrão de beleza, das modelos e tudo mais.

Apenas de ser indubitavelmente bonita.

Que pode não ser seu tipo, mas você não nega que é bonita.

Ultimamente eu tenho conseguido tirar fotos com mais facilidade que antes.

Mas não consigo ver meus vídeos.

O fato de eu não conseguir calcular cada expressão, ângulo e falha me irrita profundamente.

Então eu faço minha melhor maquiagem, tomo cuidado para não exagerar nos produtos para que eu não me sinta falsa e nem colocar muito pouco pra não fazer efeito.

E eu vou me olhar, sorrir e me achar bonita.

Sempre com aquela culpa guardada no peito.

A culpa de estar sorrindo por algo que você não deveria estar satisfeita.

O principal problema de não acreditar no amor próprio é que quando você não gosta de si, não tem para onde escapar.

O "você importa" e "você é incrível" não funciona pois você é cética.

Então o que fazer com a dor?

Então você está gorda e você se vê gorda. E é isso.

Não existe o "você é perfeita do jeito que você é", porque você sabe que isso não é verdade.

Então você só encara.

Você olha para cada defeito seu e o odeia.

E reconhece o ódio.

E então sua parte lúcida pensa nas soluções, no que fazer e o que deixar de fazer.

E a parte patética...eu nem sei dizer direito o que ela faz.

Você sabe tudo que tem que fazer para melhorar e simplesmente não faz.

E você sofre.

E se sente patética.

E isso vira um ciclo.

E no meio do choro e desespero e tristeza.

Do nada sua respiração se acalma, e não tem mais lágrima nos olhos.

E você está sofrendo, mas o seu corpo se desconectou.

E assim como tudo que sempre te faz sofrer, mesmo que por 1%, você só deixa de se importar.

Tudo parece descartável e sem sentido.

E o ódio que tenho por mim mesma apenas destrói tudo.

Não deixa ruínas e nem saudade.

Mas você olha para aquilo e percebe que nunca será a mesma coisa de antes.

Eu espero que quando chegue a hora, isso se torne útil.