O vento que incide naquele pequeno terraço é de certa forma, cortante. O silêncio de Nanami e o seu olhar que atravessa os óculos escuros me atinge, causando um grande desarranjo no meu interior. Enjoo é o que melhor me define nesse momento, talvez eu tenha tocado num assunto delicado demais, perigoso demais.
– Você tem noção do que você acabou de falar? – Disse Nanami, apagando o cigarro.
– Desculpe se toquei num assunto sensível. – Retruquei após alguns minutos de silêncio, analisando muito bem minhas próximas palavras.
– Eu nunca pensei que você fosse assim, sinceramente.
– Assim... como?
– Vendo as coisas que eu vejo.
– E o que exatamente você vê?
– Maldições.
– ...
– O expediente está acabando. – Refletiu Nanami após olhar para a paleta de cores do céu. O pôr do sol começava a se formar no horizonte da cidade e, de certa forma, isso o incomodava. – Eu odeio hora extra, não fui feito pra isso.
– Pra deixar o diretor mais rico?
– Para ser um escravo disso aqui. Vem, vou te mostrar uma coisa.
Descendo do terraço, mal tinha percebido que quase uma hora se passou. É estranho estar do lado dele, como se o tempo se dobrasse na orbita da sua aura, como se Nanami fosse uma maldição em si. Era calado, mas parecia falar pelos gestos, simples, mas complexos, fracos..., mas que de alguma forma parecia capaz de me matar em um estalar de dedos. Passamos pelo elevador, hall e corredor, mas ninguém parece notar a nossa presença, o passo rápido dele mescla com o azul marinho do carpete, dando a impressão de que somos invisíveis. Não no sentido literal, é claro, mas integrando com a paisagem. Logo, chegamos na porta do prédio, passando por vielas e ruas secundárias até chegarmos a uma pequena padaria.
– Senhor, Nanami!! Bom dia! Veio comprar o de sempre? – Disse uma pequena moça vestida com seu avental e um lenço alaranjado com a logo da padaria. Parecia ser a única funcionária lá, uma pobre alma cujo trabalho solitário é administrar uma loja inteira com um retorno apertado. Entretanto, ela parecia estar bem mais feliz que eu.
– Olá, vim sim. Por favor, separe a quantidade dobrada, quero um a mais pra esse jovem.
– Primeira vez que eu te vejo acompanhado, Nanami. Ele é seu sobrinho ou coisa assim?
– Meu estagiário.
– Entendi.
– E como está a dor nas costas, melhorou?
– Ah, haha! Voltou um pouquinho, mas acho que deve ser o estresse. – Disse a moça com uma das mãos no ombro direito.
A postura, o corpo tendendo pra direita, tudo indicava que havia um peso enorme nas costas dela, mas não algo figurativo, havia alguma coisa – ou alguém – ali. Entretanto... Não conseguia ver nada. Nanami, por outro, lado estava fixamente observando aquela moça e parecia saber de algo que eu não. Com um gesto rápido, ele joga sua mão rente ao ombro e logo a postura da moça é corrigida. O peso sumiu.
– Nossa... Eu ainda não sei como você faz isso, mas já me sinto muito mais leve! – Com o cabelo ainda dançando pelo vento gerado por Nanami, ela já expressa um alívio absurdo, e ele olha pra mim, me examinando. Ele viu algo que eu não vi, e pior, ele sabe disso.
– Tente não se estressar muito, deve ser o que está te causando essas dores todas.
– Vou tentar, com a padaria funcionando quase todo dia, e somente eu para cuidar de tudo, acaba sempre me tirando do sério. De toda forma, obrigada! Pode levar esses dois por conta da casa.
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Buyout
FanfictionAs coisas parecem difíceis para Jokichi. Órfão, recém admitido na prestigiosa faculdade de matemática e estatística de Tóquio, é um gênio que consegue ver o que normalmente as outras pessoas não veem. Entretanto sua vida relativamente pacata toma um...