Os Mil Fitilhos

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Deitar a cabeça no travesseiro e dormir naquela noite parecia uma tarefa impossível, em meio à tantos pensamentos que me ocorriam. Sei que não podia ter feito nada demais naquele momento e também sei aonde quero ir todas as noites comer agora e quem sabe assim aproximar-me mais daquele homem que tanto mexeu com a minha mente. Questionamentos sobre sua sexualidade e sobre a aceitação. Foi assim que adormeci.

O dia raiou lá fora, a luz do sol hoje parecia que batia a janela e implorava desesperadamente para entrar. Ao abrir as cortinas, tudo parecia mais amarelo que o normal. Até os tons esverdeados no horizonte deram espaço ao amarelo puro com leves borrifadas de azul. Era um nascer de sol lindo. A luz da aurora batia contra a pele como quem tira cinzas do corpo. Era uma carga diferente.

O dia demorou para passar, cada minuto era percebido e as horas então, eram ansiadas. Até que enfim o sol se pôs. Nem o trabalho me distraíra hoje.

Fiz uma rota rápida até meu apartamento, A expressão de apatia sendo substituída por excitação. Tudo pareceu correr, o elevador, a porta do quarto, até o cheiro da lavanda parecia distante. O banho foi caprichado, não mais que as borrifadas de perfume. A roupa escolhida para impressionar. Momentos antes de chamar o elevador para descer em direção ao desejado Le Velmont, decidi respirar fundo. Como se pudesse controlar toda aquela ansiedade. E funcionou, só o coração que batia duas vezes mais rápido que o normal denunciava a minha euforia.

Desci o elevador, atravessei a rua e adentrei o estabelecimento. Fui recebido com a mesma cordialidade, Dei uma olhada no restaurante em busca do motivo da minha volta, não o vi por ora. Sentei-me e nada. Demorou para eu cair na real que ele não estava ali, fui atendido por uma moça que mal consegui prestar a atenção, por mais cordial que ela fosse. Mas nada parecia ter muita importância, tudo até mesmo enquanto eu dava garfadas sutis na comida, parecia acontecer em segundo plano.

Eu estava decepcionado. Até comigo mesmo por ter ficado com tanta expectativa apenas para ver alguém. Fui para casa, como se o cansaço de ter tentado adiantar o tempo do dia tivesse chegado só naquele momento. Isso foi o suficiente para depois de um banho eu simplesmente apagar.

Na manhã seguinte eu despertei com o vento frio entrando pela janela que eu esquecera de fechar na noite anterior. Mesmo com as proteções, ele adentrava o ambiente como quem quer dar uma notícia ruim. Um banho quente foi o que me salvou, deixei a água levar quaisquer resquícios de decepção que sobrara. Hoje há uma nova esperança. No fim era bom me sentir assim, depois de tanto tempo em uma rotina mórbida. Sentir o crepitar da paixão era abrir as comportas de uma represa que passou tanto tempo oprimindo seu conteúdo.

O dia passou um resquício mais rápido. Assim como o banho e o tempo na frente do espelho. Até a distância entre meu quarto e o restaurante. Sentia-me um bobo e essa sensação piorou quando mais uma vez ele não estava lá. Assim como no dia seguinte, e no outro e outro.

Dias se passaram, eu já não ia todos eles. Sempre era recebido pelos funcionários como um amigo, conheciam onde eu gostava de sentar, recomendavam vinhos cada vez melhores. No entanto, era como se tudo acontecesse em segundo plano. Passou pela minha cabeça se não teria acontecido algo com ele, fiquei preocupado.

Assim passou-se o mês, o tempo com seu dedo cruel, foi tirando as sensações, me fazendo esquecer de alguns detalhes. A esperança foi suprimida. Minha última cartada foi perguntar a moça que sempre me atendera. Não tinha nada a perder e precisava sanar minhas dúvidas

- A refeição estava maravilhosa como sempre, assim como o atendimento.

Esperei ela fazer seu agradecimento e preparei minha fala, enquanto fazia meu pagamento.

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