SETEMBRO - 1. Viagem

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Dean entrou no quarto em silêncio, e levou mais duas caixas para o andar de baixo. Eu não olhei para ele, estava entretida desfazendo o mural na parede onde ficava a cabeceira da cama. Tivemos uma semana para encaixotar tudo, mas deixei o mural por último, porque é claro que era uma forma de tornar toda a história mais dramática. No futuro eu contaria que quando me mudei para Chicago, as últimas coisas que olhei na casa, foram as fotos do mural super brega feito na parede da cabeceira da cama. Me demorei olhando para a foto tirada dez anos atrás, Demi, Charlie e eu no parquinho da praça da cidade.

Mamãe entrou no meu quarto, ligada no duzentos e vinte, questionando o porquê de eu estar sentada no chão, com uma caixa de fotos na minha frente.

– Elizabeth, vamos sair em quinze minutos. Corre.

Ela ajeitou a bolsa no ombro e me olhou de forma incisiva antes de dar as costas. Ela não era assim, esse poço de estresse que eu e meus irmãos não estamos nada acostumados. Ela é uma mulher muito bonita, cabelo ondulado, curto, pele morena e grandes olhos castanhos. É toda corpulenta, o que fica ainda mais evidente quando ela está usando calça skinny e tênis. É uma mulher no auge dos seus quarenta e três anos que arranca elogios problemáticos dos meninos na escola, e frases como "quero ser assim quando crescer" das meninas. Não somos muito diferentes, e tenho até um orgulho disso. Eu ainda tenho 16, então sempre que olho para ela, tenho esperança de desabrochar tão bonita quanto ela é.

Obviamente, na última semana, além de bonita, ela está 100% cansada. Surgiram tipo umas cinquenta rugas diferentes na testa e se desenvolveu aquela veia que salta sempre que algo não vai de acordo com o planejado. Dean falou que ela nunca mais vai ser a mesma depois dessa correria.

Papai, no entanto, anda todo sorrisos, como se não estivéssemos saindo do estado. Quando a carta do novo escritório chegou, foi a primeira vez que ele pareceu orgulhoso de ser advogado. Se candidatou há quatro ou cinco meses. Mamãe já não sabia o que fazer, pois toda correspondência era uma ansiedade diferente. Dean passou a vigiar a caixa de correio antes dele, para o caso de as respostas negativas chegarem (nunca chegaram). Quando essa dita carta foi colocada em cima da mesa de jantar, pelo próprio Dean, eu o odiei por isso. Mamãe ficou toda empolgada, Sam estava tão focado no próprio prato que nem se ligou de tudo o que estava acontecendo.

– Eu consegui. – Papai disse satisfeito – Vamos pra Chicago!!

Mamãe engoliu em seco. A empolgação dela se desfez tão rápido quanto a alegria por ver o envelope.

– Chicago, Jonathan.

– O que foi, Clarisse?

Enquanto eles discutiam sobre ele ter se candidatado para uma vaga tão longe do Kansas, e Sam inventava uma nova canção sobre mudanças, corri para o meu quarto, e Dean veio logo atrás. Eu mal cheguei a porta, já comecei a chorar.

– Não pode ser tão ruim, – ele disse tentando me acalmar – quer dizer, Illinois é lindo.

Eu o encarei por trás das lágrimas, frustrada com a realidade que aos poucos se instalava em minha mente. Claro que demorou. Demorou pelo menos uma semana até eu perceber que aquilo era realmente verdade, e foi em um momento específico, quando papai chegou de um dia de serviço e, com um grande sorriso no rosto, colocou uma pilha de caixas na porta do meu quarto.

– O que é isso? – Perguntei horrorizada.

– Para a mudança, pulguinha.

Ele sorriu. Um sorriso todo alegre que na verdade só me deu muita raiva. E é o mesmo sorriso que ele carrega agora me olhando pelo retrovisor, talvez esperando que eu também sorria, mas não o faço.

MudançaOnde histórias criam vida. Descubra agora