Acordei com o barulho ensurdecedor do despertador. 20:00. Fui ao banheiro para ver se minha cara estava muito amassada. Julgo pelo Neymar não ter me acordado durante meu sono que ele não teve muitos problemas com a dor na coxa. Meu cabelo estava totalmente desarrumado, arrumei ele e fui colocar uma roupa mais confortável. Uma calça moletom cinza e uma regata branca. Fiz um coque frouxo e desci. Não o vi na sala, nem na cozinha. Resolvi subir para ver onde ele se encontrava. E adivinha ? Na sala de jogos.
- Neymar, você não pode ficar jogando o tempo todo.
- Por que não, posso saber ?
- Você não relaxa quando joga, seus músculos ficam contraídos, e apesar de você se divertir, você não relaxa seu corpo. - disse tocando seu ombro e começando uma massagem. No começo ele continuou com os músculos contraídos, mas depois foi relaxando.
- Você é boa nisso... - disse calmo
- Eu sei. - disse convencida
- No que tem de boa na massagem tem de convencida também.
- Hahaha - ri sem humor- você não quer começar as seções de massagem agora ?
- Pode ser... - disse se levantando e caminhado em direção a sala de massagem.
- Deita ai que eu vou pegar uns óleos de massagem.
- Óleos ?
- Sim, óleos. - disse um pouco mais alto por estar descendo as escadas.
Chegando no quarto havia me esquecido que meus óleos estavam na mala, mas ela já não se encontravam no quarto. Procurei nas gavetas e nada. Na estantezinha também não estava. Procurei no banheiro e encontrei eles no armarinho que tinha em baixo da pia. Eu sou meio lenta quando se trata de procurar coisas. Não penso no óbvio.
- Chegueei - disse colocado meus lindos óleos cheirosos do lado de Neymar
- Graças ! Por que demorou tanto ?
- Não estava achando eles - disse meio envergonhada.
- Você tem que parar de ficar envergonhada com tudo, imagina quando o David, o Thiago e o Oscar estiverem aqui ! - disse rindo. Fiquei parada um pouco, sem reação. Como assim David Luiz aparecer na casa dele ? - Ei, Julie ta tudo bem ?
- Hã ?! Ah, ta sim. Vamos começar ? Deita ai. - disse apontando a "cama" que tinha ali.
- Certo. Mas porque você ficou estática quando disse o nome dos caras ? Você é fã de algum deles ?
- Sim. - disse começando a massagem.
- Aaah, e eu posso saber de quem ? - Neymar perguntou. Juro que podia ver o sorrisinho malicioso dele.
- Por que quer saber ? Para ficar me envergonhando na frente dele? Não obrigada, estou muito bem.
- Vaaai, me fala. Por favorzinho ! - disse fazendo uma voz de bebê - Cara, isso é bom. - disse se referindo a massagem.
- Eu sei, sou ótima nisso. - disse convencida.
- Ei, não tenta fugir do assunto baixinha !
- Ei você, e baixinha nada, sou quase do seu tamanho. Só uns 10 centímetros menor, oxi. - disse ofendida
- Ta bom, girafa. Melhor assim ? - revirei os olhos.
- Também não, né. Eu deixaria o Oscar, o Thiago e o David, me chamarem de baixinha. - disse tentando fugir do assunto, qual jogador você é fã ? E eu consegui, sou ótima nisso.
- Aaaah, e eu não é ? Ingrata ! Não foram eles que deixaram você ficar na casa deles !
- Eles nem me conhecem ! - disse óbvia. - E além do mais,eles são altos. Eles podem.
- E eu não ?
- Não, se vira. Acha um apelido melhor.
- Nossa, quanta agressividade, menina ? Teve educação não ?
- Tive sim, só sai cedo de mais de casa. Nada que atrapalhasse. - disse lembrando do meu pai. Ele batalhou muito para me criar. Minha mãe acabou falecendo uns meses depois que eu nasci. Apesar de ser filha única, ele sofreu bastante. Mas foi ele que me fez gostar tanto de futebol, torcer, ir nos estádios... Sem que eu percebesse uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto. Neymar já havia se virado para ver o que acontecia comigo e limpou meu rosto com seu polegar. Assim como meu pai fazia quando era mais nova.
- Hey, que foi princesa ?
- Gostei desse apelido. - Ri fraco - Tava lembrando do meu pai.
- Ele te trás lembranças boas ?
- Muitas.
- Quer se abrir ?
- Quero.
- Senta aqui - disse apontando para o seu lado.
- Bom, tudo começou quando eu nasci, eu sempre fui muito mais apegada ao meu pai do que a minha mãe. Mas dai aconteceu que ela acabou falecendo. E meu pai ficou sem chão, sabe. Ele ficou muito abalado. Eu era um bebê ainda quando minha mãe faleceu. Nós nos mudamos para a casa da minha avó, foi lá que ele começou a se reerguer. Começar a trabalhar de novo, recomeçar uma nova vida, sabe ? Foi ele que me ensinou a gostar de futebol, ser fanática, acompanhar tudo. Ele me levava nos estádios para assistir os jogos, me fazia simplesmente feliz. Mas quando eu entrei para a faculdade, ele não conseguia mais pagar para mim, então foi quando eu consegui uma bolsa de estudos para Londres. No começo ele não queria que eu fosse, e nem eu queria ir, mas era o único jeito de eu livrar o meu pai das dívidas que ele fez tentando pagar meus estudos. - meus olhos começaram a ficar marejados, e as primeiras lágrimas começaram a rolar - Foi no dia 20/05/2012, eu já estava em Londres, e fiquei sabendo pela minha tia. Meu pai tinha sofrido um ataque cardíaco e acabou falecendo. Eu estava sozinha no mundo. Completamente. Não tinha mais ninguém com quem contar. Não tinha mais um companheiro para ir aos jogos comigo... - eu não consegui controlar minhas lágrimas. Foi uma avalanche, toda dor que eu carregava estava sumindo.
- Calma, Julie, não precisa continuar se quiser.
- Se for para contar a minha história, que seja ela toda. - disse secando minhas lágrimas - Depois que ele faleceu, nunca mais voltei para o Brasil. Fiquei lá em Londres, me formei em fisioterapia e comecei minha carreira lá. No começo foi difícil, até porque não tinha mais ninguém para contar o que eu fazia, não tinha mais os conselhos do meu pai, não tinha amigas, não tinha nada. Eu estava literalmente sozinha no mundo. Depois de 2 anos e comecei a trabalhar para jogadores machucados, lutadores... Depois de 3 anos, eu era bem conhecida em Londres pelo meu trabalho, então surgiu essa oportunidade de trabalhar com você. E aqui estou eu, me abrindo para um completo desconhecido. - disse dando um sorrisinho de lado
- Sua história é muito bonita, Julis. Você cresceu, evoluiu, aprendeu com seus erros, construiu uma vida em um país totalmente diferente, mas tudo sozinha. Isso é incrível.
- Brigada Ney... Posso te chamar assim ?
- Pode uai, já chamou né...
- Idiota ! - disse dando um tapa nele. - Ta com fome ?
- Muuuuuuita, sua massagem me deixou faminto. - disse se levantando e indo em direção ao andar de baixo. - Ué, você não vem ? - perguntou assim que viu, que não o seguia.
- Brigada.
- Pelo que ?
- Por me escutar, nunca me abri assim para ninguém.
- Magina, vem cá. - disse me puxando para um abraço - conta comigo para o que precisar viu ? - disse sussurrando. Assenti escondendo meu rosto em seu pescoço.