Capítulo 3

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A noite caia e o céu enchia de estrelas em Salvador. Ry encontrava-se deitada sobre a grama contemplando a vista. Ela então percebeu que sentia o que não conseguia a muito tempo; a raiva. Levantou e abanou a saia para ver se havia algum resíduo. Retornou para o dormitório vazio, tomou banho e trocou de roupa. Haviam se passado mais de oito horas desde que sumira da visão de curiosos. Escolheu então vestir-se igualmente a seu humor. Uma calça jeans rasgada, um coturno preto, uma regata cor de vinho e uma jaqueta de couro. Como acessórios, exagerou nas pulseiras e colares; na maquiagem delineou os olhos de preto e reforçou com um batom vermelho. Ela estava sendo radical e tinha perfeita noção disso, estava até gostando.

Caminhou até sua mala pequena e abriu o cadeado. Lá se encontrava canivetes, lanternas, um binóculo e agendas em branco. Pra quê? Ela não sabia, sempre fora fascinada por tais instrumentos, e agora queria usa-los mais do que nunca. Analisou um de cada vez e percebeu que alguém poderia a flagrar. Andou em direção à porta e trancou, foi à janela e abaixou o vidro embaçado. Voltou-se para a mala que também continha uma pequena mochila preta e colocou todos os objetos dentro da mesma. Pendurou-a em suas costas e abriu o que havia fechado.

O corredor também encontrava-se em abandono. Talvez tenham adiantado o social no bosque.

A raiva que Awry sentia aumentava sempre quando ouvia seu nome saindo das bocas nojentas cheias de vermes dos adolescentes que encontrava pelo caminho. Sabe quando você bate o dedo mindinho na cômoda, cai de bunda e alguém está se matando de rir? Isso não era 1% do que ela estava sentindo. Bufava frequentemente toda vez que o lugar se infestava de pessoas e tinha que diminuir o passo.

Ela queria ir para um lugar que ninguém a poderia ver: o terraço. Poderia observar qualquer um se achasse uma posição correta de lá encima.

Subiu as escadas apressada e entrou por uma porta tão rápido que ninguém pudera perceber. Respirou fundo, o lugar estava escuro, procurou o interruptor e sentiu uma mão sobre a sua impedindo que a luz se acendesse. Ry pulou com o susto e tentou a todo custo ligar a lâmpada. A pessoa dona do braço tinha força, provavelmente um garoto, e a empurrou para a parede, prendendo-a.

- Fica quieta! - sussurrou uma voz desconhecida.

Ry aproveitou que estava escuro e caçou o zíper da mochila. O que esse estranho pretende fazer com ela? Não sentia medo, queria mais era que aquele bafo estivesse longe dela.

- Me solte - ordenou.

Em resposta ele acariciou seu rosto. Ry finalmente alcançou o zíper e o abriu pegando o canivete.

- Ultima chance - ela avisou.

E então espetou onde não conseguia ver, mas sentiu o sangue escorrer pelos seus dedos. Levantou a mão e tapou a boca do garoto para que ela não pronunciasse som algum. Pegou outro e então levou ao seu pescoço.

- Qual o seu nome? - pergutou.

- Ted - a voz oscilava. - Era só uma brincadeira, me desculpe.

- Sabe quem eu sou? - ignorou o fato de que ele estava chorando.

- Cora?

Ry franziu o cenho e questionou a si própria, o que ele queria fazer com a Cora?

- Eu não sou a Cora - optou pela verdade. - Mas me diga o porquê de querer brincar com ela.

- Ah, meu Deus - os soluços cortavam a fala. - Ela... é lésbica... e me pediram pra mostrar... oh meu Deus... pediram pra mostrar como é ser...

- Heterossexual? Que preconceituoso - o repreendeu. - Quem mandou?

- Sandra, Sandra Melo.

Awry retirou o canivete que estava aparentemente em sua perna e guardou. Manteve o segundo no pescoço e com a mão livre quebrou a lâmpada fazendo com que os cacos caíssem sobre os olhos de Ted. Ela queria terminar o que começou, mas algo a impedia. Antes de abandonar o garoto fez a pergunta:

~ T R A J E T Ó R I A ~ (PARADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora