Maldito seja o dia em que botei os meus pés naquela maldita agência de jornalismo. Prometeram-me uma editora independente e convencional, que prometia conteúdo realmente verdadeiro e imparcial. Quer dizer, haviam mais trinta dessas espalhadas por Belo Horizonte, e eu não acreditava de forma alguma em jornalismo imparcial. Mas por algum motivo nebuloso, a Veritas foi a única capaz de capturar minha atenção. Quiçá, pelo nome em Latim, tenho um fraco por línguas mortas. Chega a ser gostoso de pronunciar.
"Veritas".
Faz até parecer que esse lugar trouxe alguma coisa de bom para mim. Trabalho nessa agência a 4 meses como fotógrafa. O nome é bastante autoexplicativo, meu ofício sempre foi demasiado simples: sair na rua, capturar imagens dos assuntos que apareceriam na edição do dia, e por fim, editá-las. A Veritas é um grupo pequeno, e para economizarem, deram-me também a tarefa de editora de fotos. Não que eu ache algo ruim! Para mim, a parte mais divertida sempre foi brincar no photoshop e no lightroom. Embelezar aquelas cenas era prazeroso no primeiro mês. Logo após receber o meu primeiro salário, as coisas começaram a transicionar para um tipo mais incomum de trabalho.
Completei meu primeiro mês como fotógrafa na Veritas. O salário era bom e eu conseguia me sustentar e me manter no "apê" que eu alugava num dos bairros de classe média-baixa da capital. A agência era pequena, mas o dono, Charles, fornecia um pagamento gordo pros funcionários que permaneciam lá por mais tempo. Chorei de felicidade quando o dinheiro caiu em minha conta pela primeira vez, aquele havia sido o primeiro pagamento bom que eu recebia por um trabalho. Acordei com ótimos ânimos, sensação que não recordava a tempos, e saí saltitando de casa para ir trabalhar. Charles chamou-me para uma conversa assim que cheguei na agência.
— É uma excelente profissional, Danizinha — Como de costume, se referiu a mim no diminutivo — Adoro suas fotos, de verdade... E penso que é hora de sair da posição de recruta e entrar nos negócios mais sérios da Veritas.
Esqueci de mencionar o que seriam os "negócios sérios da Veritas". Trabalhávamos com casos criminais. Em especial, crimes hediondos. Charles era um homem estranho; aparentemente, estava no final de seus 30 anos, mas possuía o rosto de um jovem adulto. Sua voz era suave a maior parte do tempo e agia como uma pessoa da minha idade. Não era uma pessoa intimidadora ou algo assim, porém, o seu interesse por crimes violentos era um tanto prejudicial para sua cabeça - essa é uma análise que eu possuo, nunca entrei na cabeça de meu chefe e tampouco sou uma psicóloga competente! Sou formada em design, apenas. Todavia, nunca saía da minha cabeça o quão assustador era o vício particular de Charles. Tivemos uma conversa bastante longa no dia em que ele me chamou naquela sala e me explicou sobre os trabalhos envolvendo tais crimes. Mostrou-me todos os contratos e certificados legais que permitiam que a Veritas tivesse acesso à cenas de assassinato (esses documentos que, após certos acontecimentos, passei a duvidar da veracidade). Ao fim de toda a exposição, perguntou-me se eu estava tranquila em trabalhar com esse tipo de caso. Aceitei.
Meu estômago sempre foi forte, o que talvez fosse um problema. Pessoas assassinadas com inúmeros tiros, crânios estourados e cadáveres desmembrados acabaram sendo impregnados no meu cérebro cada dia mais que eu permanecia trabalhando na Veritas. Nos primeiros dias, não conseguia dormir, mas logo a ânsia foi substituída por uma triste apatia. Aquele era meu ofício e nada além disso, fotografar aquelas cenas e torná-las apresentáveis em um jornal. Todos os exemplares da Veritas vinham com um aviso bem simples logo na capa: "Conteúdo Sensível. Esse jornal não é recomendado para menores de 18 anos". Agora tudo o que me vem a cabeça é uma simples pergunta:
— Como permitem tão fácil que publiquemos o jornal?
Foi esse o questionamento que eu fiz pessoalmente para o meu chefe, no dia em que tudo aconteceu. Eu estava decidida a largar aquele emprego após 3 meses de angústia e apetite perdido para as cenas que eu tinha que visualizar diariamente. Eu já havia comunicado tudo à Charles, mas, infelizmente, eu estava submissa a um contrato que só acabaria ao final do mês. Eu ainda teria que trabalhar mais, mas me confortava que faltava pouco para que aquela sina acabasse e eu pudesse fechar aquele ciclo esquisito da minha vida. Estávamos no carro próprio do chefe, éramos 5 pessoas no total - o suficiente para encher aquele veículo.
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Ordem Paranormal - Epitáfio
Paranormal"O que estará cravado no seu túmulo?" Por algum motivo, essa simples pergunta sempre esteve na cabeça de Daniela Clemente. Era uma garota comum que cresceu em um lar tradicional brasileiro, e não passava pela sua cabeça que uma citação póstuma fosse...